- Prontinho! Agora a gente vai ver se o Seu Brito estava só mentindo, mesmo! - exclamou Caíque, que adorava histórias de seres lendários e não engolia que dissessem que eram apenas histórias.
- Quero só ver! - desafiou Nara, com as mãos na cintura.

Os quatro se esconderam atrás de um arbusto grande que ficava suficientemente próximo ao centro da encruzilhada. Caíque segurava forte a peneira com as duas mãos, ansioso para dar o bote em cima do Saci. Ao menor sinal de vento, todos ficavam de olhos bem abertos. Mas nada demais acontecia.

As horas se passaram e nada aconteceu. Nara bufou, de braços cruzados, resmungando:
- Tá certo, agora já ficou bem claro pra vocês que isso é só uma lenda?
- Shhhh... - cortou-a Caíque, achando que a voz deles alarmaria o Saci ou algo assim. - Só precisamos ter paciência! Acho que ele não aparece de primeira, mesmo!
- Mas já estamos aqui há quase duas horas, Caíque! - sussurrou Décio, começando a descrer da lenda também. Além disso, os mosquitos e o Sol estavam deixando-o doido.
- Ei, estou com fome! Posso voltar pra casa pra almoçar? - perguntou Rejane, impaciente.
- Vocês são todos uns frouxos! - gritou Caíque, levantando-se de supetão e jogando a peneira no chão, com raiva. - Aposto que estão é com medo!
- Não, seu mané! - retrucou Nara. - A gente só tá a fim de fazer alguma coisa mais legal que ficar aqui parado no meio do nada esperando um ser que nem existe aparecer!
- E como sabem que ele não existe, hein?!
- Tá na cara! - Rejane replicou, apontando para a encruzilhada vazia.

Os três desistentes riram da cara de Caíque. Nervoso, ele chutou a garrafa dada por Rejane e saiu marchando para sua casa.

Mais tarde, Caíque brincava sozinho de arremessar pedras na lagoa próxima de sua casa. Estava furioso com os três por terem ridicularizado ele mais cedo.

- Eu ainda vou dar uma lição naqueles três! Eles vão ver que o Saci é real! - ele pensou consigo mesmo, ressentido.

Foi aí que a oportunidade surgiu à sua frente. Uma bola inflável de plástico caiu bem ao seu lado. Ele ouviu a voz de Décio perguntar a outras crianças:
- Ei, viram onde a bola caiu? É minha bola preferida!

Com um sorriso maléfico, Caíque rapidamente pegou um graveto no chão e furou a bola, estourando-a. Em seguida, guardou no bolso os estilhaços para não deixar pistas do que fizera.

Pouco depois, ouviu Décio lhe chamar de perto:
- Ei, Caíque, viu a minha bola? Ela deve ter caído aqui perto!
- Não vi, Décio. - ele respondeu, escondendo seu rancor do menino. - Vai ver que o Saci sumiu com ela!

Décio bufou e seguiu na procura do brinquedo. Caíque ficou entusiasmado em ter conseguido imitar o personagem que ele tanto gostava. Saiu de perto e foi planejar sua próxima artimanha.

Olhando pela janela da casa de Nara, ele viu a mãe da menina, dona Soraia, tirar uma caixa de leite da geladeira e despejar num copo. Em seguida, a mulher chamou:
- Nara! Nara, minha filha! Venha tomar o seu leite!
- Já vou, mãe! - ela respondeu de seu quarto.

A mãe deixou o copo na pia e foi para outro recinto. Rapidamente, Caíque tirou do bolso uma metade de limão que ele colhera e cortara só para esse plano e, passando o braço pela janela, espremeu o fruto no copo de leite. Conseguiu se esconder de novo a tempo de não ser visto por Nara.

A menina entrou na cozinha e tomou um gole do leite. Assim que fez isso, uma feição de nojo se formou na sua face e ela cuspiu todo o leite no chão. Caíque se acabou de rir, escondido lá fora.

Após isso, o garoto ainda não estava contente. Precisava aprontar mais. Decidido, ele foi até a fazenda do Seu Brito. Estava curioso para ver como o velho iria reagir se fosse levado a crer que o Saci estava de volta.

Chegando lá, tomou cuidado para não acordar os dois cães de guarda que dormiam perto da entrada do curral e se esgueirou para dentro do lugar. Lá estavam os três cavalos e o jumento que Seu Brito criava.

Com uma silenciosa gargalhada, Caíque se aproximou de mansinho de um cavalo baio e se pôs a trançar a crina do animal. O bicho era tão grande e forte que nem sentiu as jovens mãos que apalpavam sua crina. O mesmo se deu com os outros cavalos guardados ali.

Terminada a artimanha, Caíque correu para longe dali, feliz da vida, rindo alto das coisas que fizera.

Quando finalmente se cansou de correr, o menino parou, ofegante. Até que começou a repentinamente sentir um vento muito forte soprando em sua direção. O menino achou aquilo estranho, pois não havia ventado a semana toda. A ventania começou a ficar mais e mais forte, até que ela se tornou mais forte que o próprio Caíque, e o empurrou de uma ribanceira que havia ali.

O pobre menino se machucou feio na queda, e foi rolando sem parar pelo chão, gritando de dor, até finalmente parar lá embaixo, todo estatelado. Foi aí que a ventania finalmente cessou, e o menino pôde jurar ter ouvido uma gargalhada macabra ecoar do mato próximo, juntamente com um forte cheiro de fumo.

Pouco depois, Seu Brito, que voltava da cidade a cavalo, ouviu o berreiro de Caíque e foi rapidamente até onde o menino estava para acudi-lo. O garoto tinha fraturas expostas no corpo todo e o homem resolveu chamar uma ambulância para levá-lo ao hospital mais próximo.

Caíque ficou internado por duas semanas, tamanhas tinham sido suas lesões na queda que sofrera. Seus pais tiveram de pernoitar no hospital durante vários dias para acompanhá-lo e o velho Brito se ofereceu para fazer o mesmo nos dias restantes. Nessas ocasiões, Caíque acabou confessando, às lágrimas, o que aprontara com os cavalos do amigo.

Passado seu tempo de internação, os médicos detectaram uma grave infecção na perna esquerda do menino que fôra causada por uma das fraturas e não conseguiram contê-la nem mesmo através de antibióticos. Foi preciso amputar a perna de Caíque. Chorando, ele se deu conta de que agora havia conseguido o que tanto queria antes: Ficar semelhante ao Saci.

BONS PESADELOS

Contos de Terror e MonstrosWhere stories live. Discover now