Parte 01 - O Presente Misterioso

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─ Sara, você já sabe que eu vou – ele responde. – Precisa me acordar as 11 horas de um sábado de aleluia para perguntar isso?

─ Ah, desculpa – respondo. – Só queria ter certeza. Já comprou meu presente?

─ Seu Kinder Ovo Maxi vai comigo amanhã, para de se preocupar com isso – ele ri, mesmo quase dormindo.

─ Então tá, durma bem – despedi-me – Beijos.

─ Beijos, gata.

Então, confirmando minhas suspeitas, isso totalmente não foi coisa do meu namorado. O que eu já sabia, total. Até mesmo porque a letra dele não é assim, de forma e toda larga e espaçosa. Aliás, eu acho que Lucas tem uma letra mais bonita que a minha, mas enfim.

Provavelmente eu não deveria, mas eu comi todas as trufas em minutos. É uma coisa tensa essa de não saber quem te manda um presente de páscoa adiantado.

Quando minha mãe finalmente desceu as escadas, eu já tinha comido todas e estava assistindo tevê, agarrando o pote vazio.

─ Sara, eu tenho uma notícia bombástica para te dar! – ela diz, batendo palmas toda feliz, bloqueando a minha visão do Sam Winchester.

─ Hum, ótimo – eu dou pouca atenção. – Pode dizer, desde que me dê licença.

Ao invés dela me dar licença como eu esperava para que eu pudesse ver Sam, ela simplesmente me ignorou e continuou dizendo como a noticia era “bombástica”.

Mães.

─ Fale de uma vez, mãe! – digo, cansada, me sentando direito no sofá.

─ Você não vai acreditar quem estava na festa de ontem! – ela diz fazendo loooooooongas pausas entre as palavras.

─ Todas as suas amigas riquinhas chatas? – arrisco.

─ Não! A Éster e o Rodrigo!

E ela diz isso de uma maneira tão animada que eu até chego a me sentir mal por não me lembrar quem são esses dois.

Mas acho que ela desconfiou que meu sorrisinho amarelo e meus olhos inquietos significavam que eu não fazia ideia de quem eram Éster e Rodrigo.

─ Não acredito que você não lembra deles, Sara! Éster e Rodrigo Carron! – ela diz chocada. – Os pais do João Paulo!

Ah é, agora ficou muito mais claro, mãe, obrigada!

─ Que João Paulo?

─ Como que João Paulo, Sara Melchior? – ela diz ainda mais chocada. – Seu João Paulo!

Ai, Meu Deus.

Meu João Paulo? João Paulo, o JOPA? – quase grito. – Aquele Jopa, nosso antigo vizinho, que se mudou pra Holanda há anos atrás?

─ É querida! Aquele João Paulo por quem você era apaixonadinha! – ela bate mais palmas. – Eles voltaram pra cá, os três! Não é uma maravilha?

As palavras de minha mãe me paralisam. Meu queixo cai e eu começo a me sentir meio tonta. Tudo só piora quando ela completa:

─ Chamei-os para nosso tradicional almoço de Páscoa amanhã. Éster e Rodrigo disseram que vem com certeza e que João Paulo vem também, nem que seja arrastado.

Sacudo minha cabeça, tentando me manter sã, sem desmaios.

─ Aposto que você está doida para revê-lo! – ela diz, se encaminhando para cozinha. – Deve ter se tornado um partido e tanto!

Seguro minha cabeça com minhas mãos, engolindo em seco. Meu coração loucamente acelerado só de pensar em encontrar com Jopa. Há quantos anos eu não o vejo? Quatro, cinco anos?

Parece que foi ontem que nos despedimos. Eu não acreditava que um dia voltaria a vê-lo. Minha casa em ruínas, por conta do incêndio, havia perdido todas as minhas lembranças e no mesmo ano perdi meu melhor amigo.

─ Sara, não chore, eu volto – ele me prometeu.

─ E se a gente nunca mais se ver? – perguntei.

─ A gente vai se ver – ele segurou firme as minhas mãos. – A nossa história não termina aqui, Sara.

─ Como você sabe? – continuei enchendo.

─ Porque eu não vou deixar terminar.

Dizendo isso, curvou-se para me dar um beijo. O primeiro e único de todo o nosso relacionamento. Eu sempre havia gostado dele, desde o dia que sua família se mudou pra casa ao lado, vinda da Itália – pais diplomatas são um terror - mas eu sempre achei que ele não se sentia da mesma forma.

Trágico pensar que só fui descobrir isso quando ele estava se despedindo. Ele levou com ele minha única lembrança do meu quarto chamuscado: um pedaço do papel de parede de anjos.

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Só porque eu queria que ele se arrastasse, o dia pareceu voar. Num momento eu estava descobrindo que Jopa estava de volta (como suspeito principal de ter me mandado as trufas) e no momento seguinte minha mãe está dizendo: vá pra cama agora, pois temos que acordar cedo amanhã para preparar nosso Tradicional Almoço de Páscoa!

Eu estou, sem brincadeira, pronta para mandar ela enfiar esse Tradicional Almoço de Páscoa (e ela fala de uma maneira que as maiúsculas são realmente presentes e importantes) num lugar não muito agradável quando ela me grita a mesma coisa pela décima sétima vez.

JÁ SEI MÃE, JÁ VOU, NÃO SOU SURDA!

Acontece que quando eu finalmente desligo a tevê e me deito na cama, fico rolando de um lado pro outro. Não estou conseguindo dormir de jeito nenhum. DE JEITO NENHUM. Uma insônia impossível me pegou de jeito, e ela tinha um nome: João Paulo.

Eu estou com um problema, ah sim, estou.

Porque eu não era apaixonadinha pelo Jopa. Ele sempre foi meu melhor amigo. Passávamos horas juntos e nunca parecia o suficiente. E foi ele quem me deu meu primeiro beijo. Eu definitivamente não era apaixonadinha por ele. Eu gostava dele de verdade.

E, não acredito que eu estou assumindo isso, uma parte de mim continuou gostando dele por todos esses longos anos que ele se manteve longe e intocável.

Medo é o sentimento que toma cada parte do meu corpo. Porque o tempo que passamos longe foi o suficiente para que cada um tomasse uma vida diferente. Para que eu conhecesse e começasse a namorar Lucas. E eu gosto de Lucas, sério.

Mas reencontrando Jopa amanhã, tenho medo de descobrir que tanto tempo não mudou nada: que aquele friozinho na barriga que aparecia toda vez que o via ainda existe, e que eu ainda gosto dele de verdade. Mais do que eu gosto de Lucas? Só Deus sabe. Mas, definitivamente, BEM mais do que eu deveria.

Reencontros, trufas e anjosOnde histórias criam vida. Descubra agora