O semblante da jovem capturada rapidamente obscureceu e, sem desviar o contato visual, enviou por meio dele a mistura de raiva e mágoa que borbulhava suas vísceras. Sentia-se uma estúpida por ter sido ingênua ao ponto de ser traída.

Rudemente, sua concentração foi quebrada ao receber uma pressão no ombro e ser jogada de joelhos na grama... a poucos metros do padre que usava batina preta, tippet e chapéu de cantuária.

Shadi Breslin, você foi considerada culpada de bruxaria e associação com o demônio! Você trouxe essa maldição para nossas terras; a fome e as doenças! E foi a responsável pelos assassinatos do Rei Jorge II da Grã-Bretanha e de seus filhos Frederico e Guilherme! – o representante da igreja, que encarava a capturada descabelada à sua frente, proclamou firme com seu sotaque inglês.

A constatação daquele julgamento, somado à presença feminina específica ao fundo, fez com que as lágrimas ardessem como vinagre ao correrem pelo rosto de Shadi, de joelhos. Não se deixaria vencer, ainda mais se aqueles fossem de fato os seus últimos minutos naquele plano espiritual: precisava marcar seu corpo e oferecer seu sangue para manter-se eterna. Logo, sem hesitar, a jovem começou a literalmente auto mutilar sua face. Usando sua própria magia, ela prolongou suas unhas em afiadas garras e seus dez dedos ferozes entraram em contato com a pele, rasgando-a em fitas de carne e deixando profundos sulcos que escorriam sangue grosso e quente. Sentia o sabor nos lábios. O choro branco e vermelho correram juntos até que seu rosto ficou rasgado e em farrapos; o rosto que tanto amara em sua tenra vaidade juvenil.

De olhos bem arregalados, Shadi ergueu as mãos e enxergou o sangue correr por seus longos dedos, pelos pulsos, por baixo das mangas da camisola. O fluxo era como lentos vermes vermelhos que rastejavam ao longo de seus braços e sob a roupa.

Faz cócegas, pensou e aquilo fez com que risse até gritar. Gritar desesperadamente com todos os seus pulmões ao ponto de veias dilatarem.

Louca! – disse alguém do exército da igreja. – A bruxa perdeu o juízo!

Dê um fim nela! – outro britânico disse, amedrontado.

Meretriz do diabo! – um deles, carregando uma grande bandeira com um brasão, falou com nojo e ódio.

Olhem bem, meus irmãos, para lembrarem que esta mulher é a prova viva que o mal reside ao nosso lado! Na morte dela está nossa salvação! – o padre proferiu em voz alta, encarando os fiéis seguidores ali presentes. – Eu juro a vocês que cada mãe, filha, irmã e pai tirados de nós por esta peste será vingado! Essa mulher pagará pelo que fez. Mas... – seu olhar agora voltou-se para a jovem de cabeça baixa à sua frente. – Assim como meu bom Deus, com sua infinita misericórdia, eu rezarei por você porque todos têm direito à salvação... Se quer salvar sua alma da perdição... arrependa-se agora e confesse seus pecados!

Shadi, de joelhos e com o rosto desconfigurado que pingava o líquido vermelho quente, sorriu maleficamente de maneira a demonstrar que não sentia uma mísera dor da automutilação.

– Eu confesso. – ela disse, sarcasticamente puxando o sotaque britânico.

– Prossiga, menina. Você assinou um pacto com Lúcifer?! – o representante religioso perguntou em meio a um semblante de repugnância.

Padre... – Shadi ladeou o rosto enquanto encarava ironicamente o homem mais velho com uma grande bíblia nas mãos. – Você e a sua corja vão queimar no inferno! São estúpidos por pensarem que vão conhecer Aquele que adoram!

O medo agitou as entranhas do padre e sua expressão momentânea denunciou o choque que o atingiu. Tentando aplacar a paciência que começava a se esgotar, inspirou o ar puro da natureza para dentro dos pulmões antes de declamar:

Over The DuskWhere stories live. Discover now