Um centavo

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E lá vai Natália, com a mochila cheia de livros da faculdade e os braços carregados de telas enormes e pincéis, frustrada por seu irmão ter tido um imprevisto e não poder vir buscá-la. Toda de preto, num sol de meio-dia, com a franja cortando metade da sua visão, em plena avenida Agamenon Magalhães.

As pessoas a observam, se questionando se devem ou não oferecer ajuda, outras dão risadas discretas, mas Natália não nota, porque nem o próprio pé consegue enxergar.

Vindo na direção oposta, despreocupado com seu skate, Luca observa o amontoado colorido se aproximando do seu campo de visão enquanto avança. Ele seca o suor com as costas das mãos, sonhando com o ar-condicionado do estabelecimento, e seu estômago ronca, agradecendo por estar quase em frente ao McDonald 's.

Natália só sabe que está chegando quando vê o vermelho lustroso, olhando para cima, tentando jogar a franja para trás, imaginando o alívio que será quando se livrar do peso carregado.

Quase na porta do McDonald 's, Natália tropeça numa pedrinha e sua franja cola nos olhos quando uma rajada de vento forte surge, do nada. Luca, que estava perto, leva um esbarrão e escorrega do skate. Telas e pincéis voam para todos os lados e um emaranhado de pernas e braços obstrui a entrada.

— Ai! Que ódio! — Exclamou Natália se remexendo e tirando a franja do rosto. — Meu Deus, me desculpe! Foi sem querer, não vi onde estava indo — diz quando vê que seu rosto está a centímetros de Luca, vermelha de vergonha.

O garoto ainda não havia absorvido o que aconteceu, mas não tinha se machucado, usou os braços para aparar a queda. Porém, não contava que daria de cara com uma garota tão bonita, e isso o deixou levemente nervoso.

— Não, tudo bem, eu devia ter prestado mais atenção — fala tomando um pouco de distância.

— Você se machucou? — pergunta, sentindo os joelhos arderem.

— Não, e você?

Natália sentou perto dele para poder olhar os joelhos e sua calça ficou, no mínimo, estilosa com dois rasgões. Viu que ralou os joelhos e que havia um pouco de sangue, mas nada que a levasse para o hospital.

— Só arde, mas não tem problema, já tô acostumada. Essas coisas vivem acontecendo comigo.

— Vem, deixa eu te ajudar — diz Luca, levantando e estendendo a mão para ela, que aceita e faz uma careta ao contrair os joelhos.

Eles começam a recolher tudo do chão e ele empilha no braço dela.

— Obrigada — Natália agradece e ele pega o skate, mas bastou que andassem dois passos para tudo ir ao chão novamente. Porém, dessa vez, eles permaneceram de pé.

Natália não disse nada, se sentia envergonhada demais, mas ele voltou a recolher as coisas do chão para ajudá-la. Ficou claro que estavam indo na mesma direção e que a entrada era apertada demais para duas pessoas tentarem passar em simultâneo.

Mais uma vez ela agradeceu e ele a esperou passar antes de seguir. Atravessaram a passarela de pedestres do Drive Thru e Luca ficou atento a qualquer sinal de carro para não bater nela. Já do outro lado, abriu a porta para que Natália pudesse passar e depois se separou, indo para o painel de pedidos. Catou as promoções e notou que a garota, já livre de todo o peso, foi para o painel ao seu lado. Observou sua pele branca como um papel, seu cabelo curto, de franja indomável, preto, e pensou que aquela era a menina mais linda que ele já vira na vida.

Relutante, voltou para escolher seu pedido, enquanto Natália também escolhia o dela.

Ela se agradou com um combo de 22,80, com refrigerante e batata frita, mas quando foi passar o cartão o mesmo deu recusado. Indignada, foi checar a conta pelo celular. Ficou surpresa ao descobrir ter, exatamente, 22,79.

Você ProtagonistaWhere stories live. Discover now