02- O presente de Brian

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A praça estava estranhamente vazia naquela noite. Quem sabe o parque não estivesse atraindo a vasta gama de casais que costumava circular por ali.
Mesmo que a praça ainda fosse inquestionavelmente bela, com seus arbustos floridos, grama verde, as estradinhas de ladrilhos e, é claro, seus bancos alvos. A maioria protegido pela sombra de alguma árvore tão florida quanto o próprio canteiro de flores local. Mesmo assim, não dava para competir. O parque novo possuía um túnel do amor, com todas aquelas luzes e coisas coloridas. A simples praça de flores, não tão bem iluminada já desde a última gestão, perdia seu brilho e graça diante daquela nova atração, sem que ninguém se desse conta das histórias de amor para as quais aquele lugar já fora palco. Histórias que por si só podiam ser infinitamente mais belas que qualquer lâmpada colorida.

Mas nada daquilo importava. Ou talvez sim, afinal tudo que ela queria era ficar sozinha e nisso o parque ajudava. Seus soluços baixos quase se tornavam inaudíveis, mesmo que o único ruído ali fosse o de algum inseto irritantemente persistente em sua canção. Mas quem podia o culpar por persistir? A persistência transforma contos em lendas, e lendas são eternas.

Por que havia feito aquilo? Magie quase estrangulava o magro e pulso. Era uma assassina... e nem sequer entendia como. Seus olhos verdes fitaram as frias e pálidas mãos. Culpadas. Eram armas de um assassinato, estavam sujas do sangue da sua amiga tanto quanto sua alma.

Que alma? Magie nem sequer isso tinha. Era uma maldita... havia abandonado Melissa, o corpo de Melissa, lá. Pura covardia. Sabia que era culpada. Sabia que iam encontrar o corpo, e que seria condenada.

Talvez ainda não tivesse dado tempo, ela saiu tão rápido e lá era tão pouco movimentando... Talvez pudesse voltar e se livrar de qualquer prova. E pensar que mais cedo o único deslize que já havia cometido resumia-se em passar cola para uma colega de classe... e agora? Agora estava tudo indo por água abaixo.

E no que estava pensando, afinal? Se livrar da culpa? Sua culpa!
Culpa dela, que era uma assassina. Culpa dela, que havia matado a amiga literalmente com as próprias mãos.
As lágrimas se tornaram mais intensas, e o choro agora um pouco mais audível. Ainda assim, quem pararia para dar atenção a uma mocinha chorona no banco de uma praça qualquer? Nem mesmo alguém desocupado o suficiente para ainda insistir na velha praça, mesmo com tantas lanchonetes e um parque cheio de luzes e cheiros bem mais chamativos que o suave aroma das flores.

Magie devia se entregar. Ela sabia que não era inocente... e se achassem que ela era? Por que fugiu então? Talvez tudo pudesse se resolver, afinal era impossível matar alguém apenas tocando... ou não. Uma infeliz lembrança lhe veio a mente. Mais cedo naquele mesmo dia, algo que ela julgou como uma piada ruim.

O diretor não era um piadista. Ele estava falando sério. Como pode ter demorado tanto para perceber? As luvas, as malditas luvas. Por que não usou? Era só um acessório. Mesmo que não acreditasse. E ainda não acreditava, era estranho demais. Ainda não tinha plena certeza de que não dava para acordar e ter só desmaiado misteriosamente para acordar horas depois com uma história meio louca. Apostava que Melissa riria muito.

Um suave sorriso se formou em seu rosto ao lembrar do riso da loira, tão escandaloso que Magie não ousaria comparar a algo bonito de se ouvir. Mas era bonito, era bonito sim. Pois trazia uma alegria pura e verdadeira... a única coisa capaz de embelezar de verdade um sorriso ou risada. Mas ela nunca mais ouviria nada como aquilo.
Seu sorriso logo se desfez. Melissa estava morta e sua alegria também.

--- Oi. --- uma voz quase a assustou. Magie manteve a cabeça baixa.

Estava perto, era uma voz calma e masculina. Ela perguntava-se como parecia ter simplesmente aparecido ali. Porém aquilo não era importante para ela.

Herdeira da MorteΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα