capítulo dezesseis.

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ㅡ Eu estou desesperado. ㅡ Digo ao entrar no consultório do Dr. Antony. Ele está sentado em sua poltrona, com uma perna cruzada como de costume. Ele apenas ergue o olhar e me encara passivamente. ㅡ Eu estou sentindo coisas… coisas que não deveria sentir, coisas que eu não mereço sentir. Pelo amor de Deus, eu vou enlouquecer.

Dr. Antony não move um músculo, apenas continua me olhando enquanto caminho de um lado para o outro em seu consultório.

ㅡ Eu vou a um encontro com um homem perfeito e não sinto nada. Nada, nada, nada. Nenhuma faísca, nenhuma borboleta, nenhum arrepio, nada. Mas aí, dentre todas as pessoas desse planeta inteiro, justo por ele, eu sinto. Por que Deus? É algum tipo de punição? Eu que fui o corno aqui, eu deveria ter um momento de paz, algum tipo de redenção. Mas não, eu não tenho. Por que? Ah, porque o amante me faz sentir coisas. Que bosta de vida! O senhor acredita em vidas passadas? Encarnação e coisas do tipo? ㅡ Pergunto parando de andar e olhando para ele, mas ele não me responde, então volto a andar em círculos. ㅡ Pois bem, eu devo ter feito alguma coisa muito desgraçada para merecer isso. O que será que eu fiz na vida passada para merecer sentir coisas além de ódio pelo ex amante do meu ex noivo? O senhor está ouvindo isso, Dr. Antony? Eu sinto coisas pelo Louis.

Eu paro o encarando e observo ele descruzar as pernas calmamente enquanto conserta os óculos.

ㅡ Agora que você percebeu? ㅡ Ele diz com a voz calma, e nem parece perceber o baque que isso me causa.

ㅡ O quê? ㅡ Pergunto incrédulo, sentindo as minhas pernas bambearem de nervoso.

ㅡ Sente-se por favor, e tente se acalmar. ㅡ Ele aponta para a poltrona em sua frente.

Olho para a poltrona, e me sento. Sinto meu rosto queimar. Ele continua me olhando calmamente, com uma paz de Gandhi, e pega seu bloco de notas na mesa ao lado.

ㅡ Em todas as sessões, desde que começamos, Harry… você sempre me falou mais de Louis do que de Aron. ㅡ Ele diz e minhas bochechas queimam mais ainda. ㅡ Por isso que eu sempre perguntava como as coisas entre vocês estavam indo. A cada sessão, você demonstrava algum novo sentimento por ele: ódio, rancor, mágoa, repulsa, admiração, implicância… enquanto que para Aron, você sempre só demonstrava dois: ressentimento e indiferença. Então, eu soube nesse instante que não era Aron quem te balançava emocionalmente, era Louis.

Engulo em seco, e passo a mão pela testa. Estou suando. Não sei ao certo o que responder, não sei como absorver isso, mas para o meu alívio, ou desespero, Dr. Antony continua:

ㅡ Não estou dizendo que você sente algo afetivo por ele, Harry. Não é isso, e não quero que entenda dessa forma, mas eu sempre soube que você sentia algo, ou na maioria das vezes, sentia muitas coisas por ele. E sei que outros sentimentos também irão surgir com o passar do tempo.

Paro para pensar e sinto um soco no estômago ao constatar que é verdade. Louis sempre foi mais presente em minhas terapias do que o próprio Aron.

ㅡ Eu não sei o que sentir. ㅡ Confesso baixinho.

ㅡ Eu sei. ㅡ Ele diz com a voz reconfortante. ㅡ Você está confuso... e mais do que confuso, você está relutante. Louis te lembra do fatídico dia. Por mais que você queira se libertar, quando você pensa ou olha para ele, você sente respingos do trauma, porque ele estava presente no momento. O nosso coração é misterioso, Harry. Além disso… é imprevisível. Nunca saberemos o que vamos sentir por alguém que nos causou algo, mesmo que indiretamente, e está tudo bem. Não precisa se martirizar porque está criando vínculos com Louis. É um processo complicado e lento, porque o trauma está presente em você, e talvez sempre esteja, mas agora você está vendo ele com os seus próprios olhos e não com a mágoa que sentia ao se lembrar daquele dia.

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