Capítulo III

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Na segunda-feira decidi sair cedo. Precisava ir ao shopping. Sozinha. E precisava pensar. Não queria ficar em casa naquele dia, depois de tudo de estranho que havia acontecido em tão pouco tempo. Por um lado, eu queria me convencer de que nada de mais estava acontecendo comigo. A razão me dizia isso o tempo todo. Porém, o problema não era a voz da minha razão, mas uma sensação estranha, que poderia ser chamada de intuição, sexto sentido ou até mesmo imaginação em excesso, que estava comigo vinte e quatro horas por dias desde a madrugada em que ouvi as motos na rua. Bem, se fosse somente imaginação, tudo bem. Isso era fácil resolver. Mas, e se não fosse imaginação? Para essa pergunta, eu não tinha qualquer reposta. E a questão principal era simples: eu sabia que algo iria acontecer, apenas não sabia o que era.

Eu nunca fui ligada em religião, minha família também não tinha maiores ligações. Todos nós éramos católicos, mas eu nem me lembrava mais há quanto tempo não ia a uma igreja ou assistia a uma missa. Na verdade, só íamos à igreja em ocasiões especiais, como casamentos, batizados e missas de sétimo dia. A essas, inclusive, eu raramente comparecia. Sempre tive um grande pavor de tudo que se relacionava com morte e fim. Não creio que fosse um tipo de fobia, até porque a maioria das pessoas não gosta desse assunto, mas, de qualquer modo, eu não pensava muito nisso e nunca tinha ido a um enterro na vida.

A família de Carol era católica praticante, os pais dela iam à missa todos os domingos. Carol, como eu, não se preocupava com religião, mas morava com os pais e ao longo de toda a vida teve de ir com eles à missa aos domingos. Agora que ela estava na faculdade, podia usar a desculpa de que precisava estudar, ou até mesmo descansar para estudar mais tarde etc. Assim, conseguiu se livrar, digamos, daquela obrigação que ela considerava maçante.

Voltando ao assunto: eu nunca fui ligada em religião, muito menos em coisas alternativas como astrologia, adivinhação, esoterismo, espiritismo e outras do tipo. Na verdade, nunca me preocupei com "coisas invisíveis". Eu estava plenamente satisfeita com a vida concreta e real de todos os dias, no chão firme da terra sob meus pés e com todas as possibilidades que o futuro reservava para mim. Então, nunca me interessei por tais assuntos.

Entretanto, nos últimos dias, comecei a não reconhecer a mim mesma. Eu sentia, mas não conseguia traduzir nada em palavras, a não ser que algo estava acontecendo, que algo estava chegando e eu não fazia ideia do que fosse, nem de como me atingiria ou por quê. Ao mesmo tempo, cheguei a pensar que estava com algum tipo de distúrbio mental, porque a sensação era tão forte que invadia meu peito e me deixava às vezes ofegante.

No shopping, andei pelos corredores tentando fixar minha atenção nas vitrines das lojas, buscando reencontrar o conhecido sentimento de interesse por roupas, sapatos, bijuterias, bolsas e livros, mas nada conseguia captar minha atenção completamente. Por fim, fui até a praça de alimentação. Queria comer alguma coisa, estava com fome. Ainda não era exatamente hora do almoço e o lugar não estava lotado. Escolhi um bom lanche básico, uma Coca light e me sentei, olhando ao redor.

De repente, ouvi uma espécie de ronco distante e olhei para os lados, quase assustada. Duas senhoras passaram e ouvi uma delas dizer:

— Ouviu isso? Vem por aí um temporal, deu para ouvir daqui! Acho melhor irmos ao cinema e esperar a chuva passar, vai ficar engarrafado.

Aquele ronco ao longe, do lado de fora, ilustrava muito bem o meu estranho sentimento. Era exatamente assim: eu estava vivendo a minha vida normal e, do lado fora, um temporal estava se anunciando, pronto para alagar toda a cidade. Mas, ao contrário do temporal, eu não sabia o que significavam as "trovoadas" que eu sentia se aproximarem da minha vida.

Terminei o lanche e me levantei, já cansada até de mim. Aquilo tudo era uma loucura sem sentido, com certeza. Qualquer pessoa que ouvisse a história, certamente iria me aconselhar a procurar ajuda com um psicólogo. Ou com um psiquiatra, talvez... Eu ri.

Prometidos - Um para o outro (livro 1)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora