capítulo dez.

Começar do início
                                    

Assinto mais uma vez, e por um instante fico feliz. Se ele está me dispensando um dia, é sinal que eu deva estar realmente melhorando.

*

Chego mais tarde na delegacia, por causa da consulta, e vejo uma van branca parada na porta, com alguns policiais que não conheço. Louis está entre eles, então passo direto e vou para a minha sala.

Ao sentar na minha cadeira, abro o bloco de notas que Dr. Antony me deu. Penso no que posso começar a escrever, mas apenas uma coisa vem à minha mente. Pego uma caneta e escrevo:

Eu odeio o Louis.

Solto um riso baixo, e fecho o bloco de notas, começando a ligar o computador. Quando estou na metade de um relatório, ouço a voz de Louis no corredor. Ele está alterado, e por um instante paro para ouvir a conversa.

ㅡ Você é um filho da puta. Lucra através do sofrimento dos animais. Infelizmente a lei é falha, e eu não posso te enfiar atrás das grades porque você é réu primário. ㅡ Ele vocifera. ㅡ Mas, juro por Deus, que se eu ver você vendendo qualquer animal na internet, ou em criadores clandestinos, eu vou até o inferno pra te achar, e faço questão de que todos na prisão saibam o que você faz.

Inclino a cabeça para olhar com quem ele está falando, mas é um homem aleatório que eu não conheço. Paro para reparar e Louis está segurando... um gatinho no colo? Sério?

Quando o homem é dispensado, não me contenho em levantar e ir até Louis para ver se estou ou não alucinando. Mas, não estou. Ele realmente tem um gatinho no colo. Me aproximo e ele me nota.

ㅡ Isso é um gatinho? ㅡ Digo me abaixando um pouco para olhá-lo.

ㅡ Não. É um trigre. ㅡ Ele diz, revirando os olhos.

ㅡ Oi amiguinho. ㅡ Passo os dedos pelo seu pêlo macio. ㅡ Se eu fosse você, não ficava no colo de certas pessoas. Pode ser extremamente tóxico. Vai que a doença que ele tem é transmissível. Você pode pegar, toma cuidado.

Louis me ignora, e começa a caminhar com o gatinho em direção à porta da delegacia.

ㅡ De onde são esses gatinhos? ㅡ Pergunto curioso, indo atrás dele. Louis não para me responder.

ㅡ São de um criador clandestino. Estavam em situação precária. Recebemos a denúncia, e fizemos a apreensão deles.

ㅡ E pra onde os policiais vão levar eles?

ㅡ Para a clínica veterinária. ㅡ Ele para e se vira me olhando com um semblante intrigado no rosto.  ㅡ Você gosta de bichos?

ㅡ Depende do bicho. De você, por exemplo, eu não gosto. ㅡ Digo sério e Louis revira os olhos mais uma vez.

ㅡ Não sei nem porque me dou ao trabalho. ㅡ Ele se vira e volta a caminhar, parando em frente a van.

ㅡ Posso ver os outros?

ㅡ Eles estão nas caixinhas de transporte. ㅡ  Ele responde seco.

ㅡ E por que esse não está? ㅡ Insisto e Louis se vira com o semblante irritado.

ㅡ Porque ele estava agitado. E como tenho três gatos, sei como lidar com eles. Por isso peguei ele no colo por um instante, para ver se ele se acalmava.ㅡ Ele diz e eu arqueio as sobrancelhas em surpresa.

ㅡ Você? Tem três gatos?

ㅡ Tenho. ㅡ Ele entrega o gatinho para um dos voluntários. ㅡ Levem eles para a clínica parceira da polícia e me avisem quando tiverem notícias do estado deles.

O voluntário assente e coloca o gatinho cinza em uma das caixinhas de transporte. Louis se vira e dá de cara comigo.

ㅡ Você está aqui ainda? ㅡ Ele ergue uma sobrancelha.

ㅡ Só fiquei curioso. Como uma pessoa como você tem três gatos.

ㅡ Uma pessoa como eu? ㅡ Ele sorri sem humor. ㅡ Você age como se me conhecesse bem. ㅡ Ele passa por mim e volta para a delegacia. ㅡ Quando há resgate como esses, e algum gato tem algum problema, eu acabo adotando.

ㅡ Como assim problema? ㅡ Eu pergunto e ele para abruptamente, me fazendo trombar com suas costas.

Ele se vira e eu me ajeito, fingindo que nada aconteceu.

ㅡ Alguns animais de resgate sofrem maus tratos. E quando o gato fica com alguma sequela, dificilmente são adotados. Eu fico com dó, e adoto. Simples assim. ㅡ O olhar dele se encontra com o meu.

ㅡ Os seus têm sequelas?

ㅡ Você é meio burro, não é? Acabei de dizer que sim. ㅡ Ele diz sem paciência  ㅡ Tenho o Rony, a Hermione e… o Harry. ㅡ Louis arregala um pouco os olhos, como se estivesse se amaldiçoando por falar demais.

ㅡ Mentira. Você tem um gato chamado Harry? ㅡ Solto uma risada sem humor. ㅡ Que irônia do destino.

ㅡ Se eu soubesse, eu teria colocado o nome dele de Voldemort. ㅡ Ele diz sorrindo sarcástico.

ㅡ Você não faria isso com o bichinho.

ㅡ Eu não trocaria de roupa, florzinha. ㅡ Nossos olhos se encontram e ficam presos por um instante, mas Louis desvia rapidamente.  ㅡ Rony é um gatinho amarelo, carinhoso  e cego de um olho, nunca soube o que fizeram com ele, e nem quero saber. Hermione é preta, terrível e paraplégica, foi atropelada quando bebê, mas isso não impossibilita ela de correr pelo apartamento fazendo bagunça. Harry é um gatinho cinza, e é traumatizado. Também sofria maus tratos e perdeu a patinha da frente.

Tento não sorrir ao ouvir ele falar dos gatos. Ainda mais da semelhança do Harry comigo.

ㅡ Ou seja, juntando todos, dá um inteiro.
ㅡ Solto uma risada genuína e Louis encara a minha boca. Seus olhos passeiam pelos meus lábios para então encontrar meus olhos. Engulo em seco e paro de rir. ㅡ Não teve graça, desculpa.

Ele nega com a cabeça lentamente e volta a caminhar. Me ignorando.

ㅡ Tem algum assim hoje na apreensão? ㅡ Pergunto e ele para mais uma vez, se virando para me olhar.

ㅡ Tem dois... um branco e um preto. O branco perdeu o rabo. E o preto é cego de um olho. Tô pensando em ficar com os dois, apesar de não ter mais espaço na minha casa. 

ㅡ Eu fico com um. ㅡ Digo rápido, e Louis me olha fazendo uma careta.

ㅡ Você?

ㅡ Sim… ㅡ respondo seguro. ㅡ Moro sozinho, nunca viajo, e preciso de uma companhia. Você fica com o branquinho, já que tem um preto e eu fico o preto pra mim.

ㅡ Tem certeza? Eles não são bichos de pelúcia para serem descartados. ㅡ Ele diz e eu reviro os olhos.

ㅡ Para sua informação, eu já tive gatos e todos morreram de velhice. Satisfeito? ㅡ Ele ergue a sobrancelha e dá de ombros

ㅡ Eles ficarão na clínica por um tempo.

ㅡ Não tem problema, eu espero. Bom que preparo o apartamento para recebê-lo. Eles são machos ou fêmeas?

ㅡ Ambos são machos.

ㅡ Fred ou Jorge, escolhe. ㅡ Falo rápido e Louis me olha confuso.

ㅡ O quê?

ㅡ Fred e Jorge Weasley, os irmãos gêmeos de Rony, Harry Potter.. 

ㅡ Eu sei do que você está falando. ㅡ Ele me interrompe, colocando as mãos na cintura. ㅡ  Só não estou entendendo.

ㅡ Fred ou Jorge, Louis? ㅡ Digo sem paciência, e ele solta um suspiro.

ㅡ Fred. ㅡ Ele responde por fim.

ㅡ Ótimo, eu queria mesmo Jorge. Me avisa quando puder buscá-lo na clínica. ㅡ Passo por ele e volto para a minha sala.

Volto a escrever o relatório de onde tinha parado, mas sou pego por pensamentos que me invadem, então eu paro. Abro meu bloco de notas e pego novamente uma caneta.

Risco o "Eu odeio o Louis" e escrevo em baixo:

Eu não gosto do Louis.

RELUTANTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora