Atlantis

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Desde pequeno sou fascinado pela música e pela dança, ainda lembro de quando criança. Papai tocava violão cantando, mamãe dançava comigo. Lembrança calorosa do que um dia foi minha família...

— Meus pêsames, senhor Garcia... — O advogado do banco falou ao sair. Desde quando todo esse pesadelo começou já imaginava essa hora chegando, contudo, imaginação nunca superará a realidade socando o estômago como se fosse um saco de areia.

Os papéis postos na minha frente, um emaranhado de palavras, meu nome escrito em quase todos, aquilo simboliza o pacto com o diabo, meus pais fizeram a dívida e agora tenho que pagar. Só consigo me perguntar "quando esse pesadelo se tornou realidade?" Talvez tenha sido com a morte da minha avó materna, morávamos no Brasil com ela, pode ter sido também após mudarmos para esse país ou foi no momento em que chegamos na antiga casa do meu pai. Onde o brilho do olhar dele se perdeu?

Lendo o enorme maço de folhas, senti milhares de facas apontadas para mim a cada sílaba, obrigado a enfrentar fatos daquela maldita realidade, única coisa que tenho certeza é, provavelmente estou tão fundo no poço que a Samara está preocupada, não tenho mais nada a perder. Para piorar não tenho para onde ir ou voltar, desde o começo desse Kamikaze, perdi o emprego, se não pagar aluguel serei chutado do apartamento que carinhosamente chamado "ovo".

Sai do banco indo direto ao ponto de ônibus, sinto minha vertigem atacar após ler tantas folhas, o contrato parecia uma saga inteira do R.R. Martin. Ao relance vejo uma banca de jornal, o vendedor está distraído lendo o jornal do dia enquanto toma café. As manchetes de capa são sobre aquele super famoso, estourou na mídia, recentemente apelidado de Rei Midas. Segundo tabloides, tudo que ele toca se torna um sucesso estrondoso, em contrapartida, parecia não ser uma pessoa de fácil convivência, não era a primeira vez que tinha polêmicas com surtos de raiva em todos os lugares.

Fico imaginando às vezes, como é ser um famoso? Poder fazer o que quiser e quando, ser um verdadeiro troglodita, ter milhares de pessoas que facilmente se voluntariam a serem pisadas por ele. É uma besteira ter isso na cabeça, mas me faz tirar um pouco o foco da realidade, essa merda esta me corroendo.

Na fila, quase entrando no ônibus, quando sinto meu celular tocar, fiquei curioso por quem seria, ponderei ignorar, não estava com cabeça para nada, no entanto poderia ser uma ligação das últimas quinhentas entrevistas de emprego que fui. Atendi, tentando ser o mais cordial possível e não demonstrar o quanto estou abatido, todavia bastou uma simples palavra e já sabia quem era. Rafael! Meu melhor amigo, assim como eu, ele é latino-americano, ambos somos homens gays. Ainda é vergonhoso lembrar de como nos conhecemos no ensino médio, éramos novos e os únicos gays que tínhamos conhecimento. Por um momento de burrice e completo surto resolvemos tentar fazer... Algo mais que amizade, contudo como ambos somos passivos acabamos por apenas aderir à amizade mesmo, em compensação hoje sei a coreografia de Single Ladies e quase todas as músicas da Britney.

Como amigo sabia que aquela ligação poderia ser por três motivos: 1. Namorado novo

2. Reclamar sobre sua vida sexual

3. Deu tanto para alguém na noite passada, agora está todo assado.

Não ando com o mínimo de paciência para ouvir nem uma dessas coisas. Desliguei, novamente ele me ligou, desliguei mais uma vez, consegui sentir meu celular tocando incessantemente com todas as notificações de redes sociais e até torpedo, constrangido por todos estarem me olhando, sai da fila e corro para um canto, entro em um beco perto do ponto.

— O que aconteceu? Quem te comeu tão bem para você estar infernizando minha vida logo de manhã? — Vociferei assim que ele atendeu minha ligação.

— Infelizmente não é esse o motivo pelo qual estou te ligando assim, aliás você me ofende, não falo só de macho e sexo! — Negou Rafael dando um tom dramático, fingindo uma falsa indignação.

Please Be KindnessWhere stories live. Discover now