Não tentou mandar mensagens para Lucas. Sentia que o garoto não ia responder e não sabia se o pai dele seria do tipo a mexer no telefone dele. Não queria causar mais problemas. Em vez disso, passou o resto da manhã girando o lápis na mão, tentando prestar atenção na aula um pouco que fosse. O vestibular estava muito perto, devia estar tentando espremer o máximo possível de conhecimento em sua cabeça... Mas não conseguia prestar atenção.

O resto da manhã veio e se foi em uma mistura de dúvidas, receios e ansiedades. Miguel não tinha certeza de nada a essa altura, a não ser que queria falar com Lucas, um pouquinho que fosse. Sabia o que ele precisava ouvir.

Quando o dia acabou, Lucas se levantou muito rápido para deixar a sala, e Miguel precisou correr para alcançá-lo no corredor, jogando a mochila nas costas de qualquer jeito e o encontrando quase perto da saída da escola. Ele tocou o ombro de Lucas, e o garoto pareceu disposto a ignorar, então acabou dando um puxão um pouco mais incisivo.

Lucas se virou, e Miguel reconheceu toda a tormenta nos olhos dele. Solidão, tristeza, e acima de tudo, medo.

— Eu quero falar...

— Não posso — Lucas cortou. — Vá embora, por favor, e me deixe em paz...

— Dois minutos. Por favor. Estamos do lado de dentro da escola, seu pai não vai ver a gente aqui.

Lucas olhou para o final do corredor, e parecia ansioso, mas acabou se deixando ser conduzido mais alguns passos para trás. No fundo do corredor daquela forma, e atrás de todo o fluxo de alunos seguindo para a saída, era certo não serem notados ali.

— Rápido — Lucas pediu, olhando para os próprios sapatos e apertando a alça da mochila com a mão direita. — Vai que ele decide entrar me procurando. Disse que ia estar aqui antes do sino bater.

Tudo bem, não teria muito tempo então. Havia muito o que queria dizer, mas não poderia ser agora, já tinha percebido. Teria de se ater ao mais importante.

— Como você está? — perguntou, apenas, pois afinal isso era de fato a única parte que importava.

Lucas deu de ombros, ainda encarando os próprios sapatos, e Miguel reconheceu o gesto de forma assustadora como algo que costumava fazer. Lucas estava péssimo, mas não achava poder fazer algo a respeito. Ou ao menos era assim que Miguel se sentia quando costumava responder dessa forma.

— Independente do que acontecer — Miguel comentou, estendendo a mão devagar na direção da de Lucas, caída ao lado de seu corpo. — Você tem a gente, ok? A qualquer momento, pra qualquer coisa...

Perto o suficiente para quase sentir os dedos de Lucas nos seus, o garoto recolheu a mão e ajeitou a postura, afastando-se da parede. Ainda não o olhava nos olhos, e nem precisava. Miguel já sabia o que veria neles caso olhasse.

— Eu tenho que ir — comentou, apenas, já caminhando para a saída. — Tchau, Miguel. Se cuida.

E não haveria nada o que pudesse fazer agora para fazê-lo ficar, Miguel sabia, e nem mesmo se atreveria a tentar. Poderia de fato ser perigoso. Ele esperou alguns instantes antes de sair do corredor seguindo o fluxo de alunos, e esticou o pescoço para a saída a tempo de ver Lucas entrando no carro do pai para ir embora. Era sexta-feira, e muito obviamente, Lucas não ia mais jogar futebol com eles. Miguel não achava que algum dos garotos quisesse jogar, de qualquer forma. Ele mesmo não sentia vontade nenhuma. Não iam ganhar com um jogador a menos e não seria a mesma coisa jogar sem Lucas.

Com isso, o grupo acabou sentado no jardim da escola, como costumavam fazer às vezes, mas agora em silêncio, sentindo o peso da ausência de Lucas na roda de amigos. Clara não falava nada, encarando a grama com uma expressão mista de fúria e tristeza e encolhida dentro de um meio-abraço de Pedro. Zé Dois estava escorado em uma árvore, de olhos fechados, poderia estar dormindo e ninguém iria saber. Arthur parecia muito irritado, arrancando graminhas do chão aos poucos.

Tempos ModernosWhere stories live. Discover now