Cavaleiro sem cabeça

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A turma toda caiu na gargalhada e foram pegar mais bebida. Enquanto isso, Ichabod começava, pouco a pouco, a conquistar a amada através do diálogo enquanto dançavam.
- Sabe, professor - contou Katrina, sorridente - Muitas moças daqui dizem que dariam tudo para ter o Brom aos pés delas. Mas eu não. Gostaria mesmo é de um homem culto e bem instruído, entende?
- Ah, sim... claro - respondeu o tímido educador, notando a intenção dela - Suponho que o senhor Bones não seja desse tipo, certo?

Ela riu, com uma feição marota mas gentil. Os dois continuaram papeando por mais um tempo até que o número de pares dançantes foi diminuindo e os convidados pareciam se cansar de tanta dança.

Percebendo isso, o pai de Katrina chamou a atenção de todos e anunciou, com um sorriso misterioso no rosto:
- Agora que já nos divertimos, e a meia-noite de Halloween se aproxima, sugiro algo muito tradicional do nosso Dia das Bruxas: Vamos nos sentar aqui na minha sala de estar e compartilhar histórias sobrenaturais! O que acham?

Ichabod tentou esconder seu medo ao ouvir aquilo. Histórias de terror nunca o haviam agradado e ele era um homem muito supersticioso. Porém, o povo de Sleepy Hollow era conhecido por respeitar muito suas crenças e lendas. E todos os outros presentes pareceram gostar da ideia.

- Vamos! Vamos! - encorajava o Sr. Van Tassel - Acomodem-se em meus sofás e poltronas! Vamos ouvir alguns causos de arrepiar!

O professor e Katrina sentaram-se lado a lado. Bones e seus colegas ficaram escorados à uma parede, de braços cruzados. Pareciam estar tramando algo.

A princípio, os mais velhos ali começaram contando suas histórias. A maioria sobre aparições, gnomos, espíritos da floresta, bruxas e coisas assim. A cada conto, Ichabod ficava mais amedrontado. A turma de Brom cochichava entre si e ria da cara do homem.

Passado um tempo, quando as narrativas dos anciões pareciam ficar escassas, Brom pediu a palavra:
- Com licença, meus caros, tenho também uma história macabra para contar, se for do interesse dos senhores.
- Pois nos conte, meu jovem! - incentivou o Sr. Van Tassel.
- Pois bem - começou o valentão, com um sorriso malicioso no rosto - Dizem por aqui na região que, na época da grande Revolução, um cavaleiro mercenário estava lutando em campo de batalha quando uma bala de canhão o atingiu em cheio no rosto, decapitando-o na mesma hora.

Todos na sala suspiraram, horrorizados.

- E não acaba por aí... - continuou ele - Diz a lenda que o fantasma do cavaleiro voltou do além para procurar por uma cabeça nova para substituir a que ele perdeu! E, pelo que dizem, a noite preferida dele para fazer isso é justamente a de Halloween!
- Mas como assim "procurar uma cabeça nova"? - indagou um sujeito sentado perto da lareira.
- Ora, ele simplesmente quer cortar a cabeça de algum desavisado por aí e colocá-la em seu pescoço decapitado!

Todos espantaram-se. Dessa vez, Ichabod não conseguiu reprimir seu tremor.
- Acreditem: Ele é real! - comentou um dos amigos de Brom - Eu mesmo já o vi! Foi aterrorizante!
- Você já o viu?! - questionou um fazendeiro ali - Ora, nos conte como foi!
- Eu estava voltando de outra cidade, justamente na noite do Dia das Bruxas - contou ele - Quando vi aquele homem descabeçado se aproximando furiosamente com seu cavalo negro! Sem saber o que fazer, fugi para a ponte que cruza o riacho, e então... bem, então, o cavaleiro simplesmente sumiu!

Ecoou-se um suspiro de admiração por ali.

- Verdade! - acrescentou Bones - Fala-se que ele não consegue atravessar aquela ponte! Que quem atravessá-la se livra dele!

A partir daí, muitos começaram a questionar partes da história, talvez querendo conter o medo que sentiam. O professor, porém, estava tão aflito com aquele conto que logo tirou seu crucifixo do bolso e o pendurou no pescoço. Quando Katrina se distraiu conversando com uma amiga, ele aproveitou para rezar o terço. Ele desejava do fundo do coração que aquela lenda não fosse verdadeira e que ele chegasse em casa em segurança.

Mais tarde, os convidados iam se despedindo e indo embora. Ichabod apertou a mão do anfitrião com simpatia, despediu-se da amada Katrina, que lhe deu um beijo na bochecha discretamente, e foi para fora montar em sua mula.

A lua cheia iluminava o lugarejo. A maioria das pessoas já haviam ido embora, então os únicos sons que se ouvia eram das cigarras cantando e do vento frio soprando. O professor procurava não se lembrar das coisas contadas na festa, sobretudo a última história, narrada por Brom. Vez ou outra, dava uns tapinhas na mula para ver se ela apressava o passo, pois a última coisa que ele queria naquele momento era ficar fora de casa durante a noite. Porém, não surtia efeito: O bicho teimava em seguir viagem do seu jeito vagaroso.

Na metade do percurso, enquanto o homem assobiava e cantarolava solitariamente a fim de afastar o medo da mente, ouviu um som vindo do bosque que lembrava um trote.

" Não, não, não..." - ele pensou consigo mesmo, tremendo e olhando para os lados - "Minha mente está me pregando peças, só pode ser isso!"

Foi aí que o mato à sua frente se agitou repentinamente. O coração de Crane disparou. Mas, para seu alívio, tratava-se apenas de um cervo que saltava por ali. Ichabod respirou aliviado.

Pouco depois, voltou a ouvir o mesmo som. Um pouco mais calmo, ele matutou, rindo forçadamente, que era apenas o cervo cruzando seu caminho de novo.

Mas foi aí que ele ouviu um relincho vindo de trás de si. Ao se virar, tremendo, desejou jamais ter ido à festa. Em sua frente estava um garanhão negro e, montado nele, uma figura robusta que trajava uma armadura e uma sinistra capa preta e em sua mão havia um afiado facão. Mas o mais assustador: Aquilo não tinha uma cabeça!

Por alguns segundos, o medo de Ichabod foi tanto que sua mente entrou em transe e ele simplesmente não soube como reagir. Em seguida, só o que conseguiu fazer foi soltar um berro tão alto e desesperado que até sua velha mula relinchou de espanto e deu no pinote. O animal se apavorara tanto com a situação que agora corria como se fosse jovem.

O professor, porém, estava tão aflito e agitado que nem controlava mais as rédeas da montaria. Esta apenas corria em disparada em qualquer direção. E para piorar, aquela coisa no cavalo negro estava perseguindo os dois com muito mais velocidade.

A mula entrou numa mata fechada e passou bem embaixo de uma árvore baixa, fazendo Crane bater a cara num galho e cair no chão com força. O animal, porém, não estava nem um pouco disposto a esperar Ichabod e fugiu mato adentro. Sentido seu nariz sangrar e seus dentes doerem, o professor tateou na escuridão tentando se apoiar em algo e finalmente conseguiu ficar em pé. Porém, viu que o tal cavaleiro se aproximava dele com a lâmina em punho. Aterrorizado, Crane simplesmente saiu correndo o mais rápido que pôde e logo viu que estava a uns 10 metros da ponte que Brom dissera ser a chave para escapar do fantasma. Não teve outra ideia, correu até ela.

Chegando lá, o professor ofegava tanto que mal podia respirar. Olhou por cima do ombro para ver se despistara mesmo seu perseguidor e a última coisa que viu foi este cavalgando sobre a ponte normalmente e enfiando o facão no coração de Ichabod, que caiu morto na mesma hora.

Após parar o cavalo, o tal cavaleiro se despiu de seu disfarce. Era, na verdade, Brom Bones, com um sorriso maligno e vingativo ao ver seu rival amoroso estirado ao chão. Carregou-o nos braços e atirou o cadáver nas águas do riacho.

- Quero ver roubar Katrina de mim agora, professor! - zombou Bones, gargalhando.

BONS PESADELOS

Contos de Terror e MonstrosWhere stories live. Discover now