Piranhagem - Capítulo 13

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Conto ficcional

Aquela noite passou tranquila, não voltei a conversar com meu irmão, nem ele insistiu, eu realmente tinha ferido seus sentimentos. Na manhã seguinte fui liberado pelo médico, prometendo continuar me tratando com a doutora Luciana. Nesse momento eu não tinha muitos motivos pra querer continuar vivo, odiava todos, meu único motivo foi querer me vingar de minha família.


Assim que cheguei eu já disse:


- Estou vivo, consciente e bem. A partir de hoje quem decide minha vida sou eu, já tenho 19 anos e não tenho medo de morar na rua por um mês até encontrar um lugar que eu possa alugar. Melhor dizendo: pelo que vi no hospital tem muita gente nessa cidade com tanta pena de mim que não me deixariam na rua, inclusive Clarice.


- Acho bom você me respeitar moleque! Se você ficar mal falado na cidade te dou uma surra até te matar! (Seu Rui falou, mas não me intimidou.).


- Pelo amor de Deus! Rui não fala uma besteira dessa! (Mainha falou.).


- A culpa desse menino ser assim é sua! Maldita hora que eu tive crise de consciência e aceitei você! (Essa fala de painho me deixou meio tonto, mas não demonstrei.).


- Para por favor! (Mainha falou já querendo chorar.).


- Você não é meu pai? (André perguntou encarando Seu Rui.).


- Claro que eu sou seu pai André, não viaja! (Aquela fala de painho foi estranha, mas resolvi ignorar.).


- Digo mais, se Clarice precisar me acolher vai ser por pouco tempo. Já aqui nessa casa meu dinheiro faz falta, quero ver quem vai bancar mercado. Ah, já sei: vai ser Seu Carlos. A partir de hoje só pago mercado, as outras contas vocês se viram pra pagar. (Falei com um sorriso no rosto.).


- Eu fiquei endividado por sua causa seu moleque mimado! (Painho já estava falando com raiva.).


- Culpa minha uma ova. Eu fui vítima. E tenho dito. Vou lá ver como vai ficar minha situação com dona Clarice. (Eu amei dizer aquilo, foi tão leve, mesmo eu ainda achando que tinha culpa por meu tio ter se matado.).


- Quem é essa Dona Clarice? Inferno! (Painho perguntou.).


- Ah, vocês não sabem? Pois vão ficar sabendo junto com todos dessa cidade. Outra coisa, só vou para o brega quando eu quiser, sou adulto, vocês não vão ficar me vigiando a cada passo. (Não tive coragem de dizer que também gostava de homens, até porque minha sexualidade não é algo que eu queira definir, me sinto livre pra ficar com quem me interessar. E também não queria apanhar de Seu Rui ali, minha afronta tinha seus limites.).

Nem esperei a discussão que viria. Fui ao bar tratar de negócios. Assim que cheguei vi que quem estava lá era Clarice.


- Clarice! Que bom te ver. Pensei que veria o Beto.


- Esse aí nunca mais você vai ver. Decidi enterrar quem nunca existiu. Já andei pesquisando, tenho um caminho longo pela frente e terei muitos gastos pra ser quem eu sou e ser reconhecido legalmente por ser quem eu sou, mas vou começar não me vestindo mais de Beto. Até meu cabelo natural crescer vou usar essa peruca que você me deu, mas o que me importa mesmo é poder falar que meu nome é Clarice e eu sou uma mulher, as adequações eu vou fazendo com o tempo.


- Será que você não consegue de graça, por meio de amizades?


- Então Mi, até conseguiria tudo pelo SUS e conseguiria na justiça as adequações nos meus documentos também, mas isso pode levar um tempinho e eu já esperei demais pra ser quem eu sou. Tenho uma certa condição financeira boa pra agilizar as coisas. Quero ser eu hoje, agora. Fora que meus processos poderiam parar nas mãos de algum juiz preconceituoso e isso me atrasaria, teria que recorrer a outros juízes... Prefiro gastar mais agora pra agilizar todo processo. Mesmo gastando ainda tenho que esperar um pouco, me preparar para as cirurgias, ainda estou pesquisando os melhores locais, principalmente em relação aos meus documentos.

Irmão também serve pra issoWhere stories live. Discover now