Capítulo I

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Quinta-Feira, 15 de janeiro de 2022. Inverno.

Xiaolongbao. É um tipo de macarrão cozido a vapor que minha avó costuma fazer nos finais de semana. Estou pensando em xiaolongbao quando o carro me atinge, minha perna fica toda ferida e o osso do meu braço se quebra.

Eu acreditava que na morte você pensaria em coisas como o amor, que passaria um pequeno resumo da sua vida, com uma música triste e cenas em câmera lenta – o feedback de Deus da sua existência, como um "ei, isso foi tudo o que você fez com o que eu te dei, está satisfeito?". Se não isso, você deveria pelo menos estar repassando seus pecados, ou tentando entender porque atravessou a rua mais movimentada de Pequim usando fones de ouvido no volume máximo.

Mas não deveria estar pensando em bolinho cozido, certo?

Possivelmente, tenho tantas coisas para me arrepender que meu cérebro simplesmente não sabe por onde começar, e seu mecanismo de defesa para o momento é me catapultar para a minha infância, onde eu comia xiaolongbao em todos os domingos.

"Alguém anote a placa do carro que me atropelou, por favor! Preciso enviar um agradecimento por me proporcionar a experiência mais emocionante do meu ano. Talvez eles possam me atropelar de novo no próximo mês, para manter a tradição." Sinto vontade de dizer, mas minha língua simplesmente não me obedece.

Estou estirado no chão quando várias pernas param ao meu redor. Escuto gritos, choro e xingamentos. Alguém está discutindo com alguém sobre como alguém pode ser burro o suficiente para atravessar a rua usando fones de ouvido. Fico um pouco ofendido, confesso. Mas não sou capaz de me defender e dizer que seria impossível pausar na melhor parte de Kids do MGMT, pois estou ocupado demais gritando de dor.

Não recordo com exatidão o que aconteceu depois disso, apenas sei que, quando enfim voltei a abrir os olhos, uma luz branca me cegou. Por um instante acreditei que estivesse morto e que àquela fosse a famosa luz no fim do túnel. Foi quando ouvi uma voz chamar pelo meu nome e me perguntar coisas idiotas do tipo: "sabe onde você está?".

A dor toma conta de mim, e percebo que não estou morto, apesar de desejar que estivesse. Tudo parece um sonho: as vozes distantes, a fumaça branca que me sobrevoa, o bipe rítmico de uma maquina.

— Xiao Zhan, a quem devemos chamar? Você tem algum parente na cidade? Um amigo? — a voz suave questiona e imediatamente quero bater nela. Quem em sã consciência entrevistaria um moribundo?

Bem, em todo caso, a resposta é não. A verdade é que não tem ninguém nessa cidade com quem eu possa contar.

— Onde está o telefone dele ?

— Quebrou no acidente.

Quebrou??? Eu nem terminei de pagar aquela porcaria! Quero dizer isso, mas só consigo gemer e gritar, tal qual um violino desafinado. Tento voltar à manhã, antes do meu corpo ficar destroçado e de eu ser impiedosamente demitido do meu emprego. Minha ficha finalmente começa a cair... Quase não tenho dinheiro para comer, como vou comprar outro celular?

— Achamos a carteira de estudante dele — em seguida a voz monótona começa a ler:— Xiao Zhan, 25 anos, cursando último ano de economia na universidade de Tsingua. Nascido na província de Yunnan.

— Tsingua, tem certeza? Achei que só aceitassem pessoas inteligentes lá.

Definitivamente seria ótimo estar morto agora.

— Vai ficar tudo bem, senhor  Xiao — afirma outra voz doce perto do meu ouvido. Ela toca no meu ombro, percebo isso porque imediatamente sinto dor no local da pressão. Tento responder com um palavrão, mas não consigo abrir a boca para fazer outra coisa além de soltar sons incompreensíveis.

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⏰ Last updated: Jul 01, 2023 ⏰

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Você é a minha primaveraWhere stories live. Discover now