Capítulo 2

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Lagoa da Lua, Mártica, 286 dD

― Era Tammon d'Amyra.

A voz de Ramys tremeu ao nomear a presença misteriosa no bosque.

Ao desembainhar sua espada, correra incansavelmente para alcançar o jovem marticano. Chamara pelo filho do Louco, mas o corredor não obedecera. Escondia-se sorrateiramente entre as árvores. Quando se encontraram, Tammon tirou água de uma poça lamacenta e chicoteou seu perseguidor. Ramys tentou devolver o golpe, mas acertara uma árvore e rachou-a. Odiava usar a Dominação num combate. Preferia o choque entre as lâminas.

Tammon conhecia aquelas florestas. Escondera-se diversas vezes de Ramys, fazendo-o se cansar de propósito. Não demorou muito para voltar a Idra. Seu perseguidor tinha desistido.

― Não consegui alcançá-lo ― continuou Ramys. ― Se escondia feito um mico nessa maldita floresta.

― Tammon é nosso amigo. Não vai contar o que viu aqui ― disparou Zayla, otimista.

― Não conte com a lealdade do filho de um Louco. Se fosse nosso amigo, não teria fugido.

― Eu teria fugido de você se estivesse me perseguindo com uma espada ― comentou Jehan sem expressão.

― Precisamos voltar para Idra ― decidiu Ramys.

― Não sei se quero ver meu pai. Se é que ele seja mesmo meu pai.

― Ramys, precisa dizer a Jehan que é impossível que ele seja um Filho de Caeli. O vento também nos ajuda na Dominação de água.

Ramys balançou a cabeça em negativa. Os fios brancos roçaram sua nuca. Ele não podia duvidar.

― Eu também achava impossível que ele pudesse controlar o vento. Precisamos voltar imediatamente e impedir qualquer passo de Tammon.

Ramys iniciou a caminhada.

― Zayla, se sabe mais de alguma coisa sobre mim, o momento de contar é agora. Eu ficaria muito ressentido se estivesse escondendo algo.

Ao dizer, Jehan seguiu os passos de Ramys.

A garota voltou seus olhos para a lagoa e fechou-os para impedir as lágrimas. Amaldiçoou os próprios ouvidos.


Idra, Mártica, 286 dD

Idra fora erguida sobre pequenas ilhas cortadas pelo rio Kavta que desaguava no Mar Nortial. Ligadas por pontes de pedras, as ruas da cidade estavam abarrotadas de mercadores vendendo seus produtos da nova colheita, marticanos negociando tecidos e utensílios, e crianças corredoras empurrando umas as outras. Sobre as águas límpidas, canoas transportavam marticanos de um ponto ao outro. As construções mais altas que se podiam avistar de longe eram o castelo de pedra, sede da Senhora de Mártica, e a Catedral de Accua. A fortaleza cinza ficava no centro da cidade de frente para o templo da deusa.

A cidade de telhados azuis, ao redor do castelo de Idra, estava coberta de fumaça e cheiros apetitosos. Era meio-dia e a barriga de Tammon roncou. Sua boca salivou ao se lembrar do cordeiro que sua mãe estava preparando quando ele saiu mais cedo.

Ao entrar pelas ruas entre as casas de pedras, tijolos e madeiras, o garoto avistou dois guardas em direção aos portões leste do castelo. Um estandarte azul escuro balançava suavemente sobre os portões e ilustrava o símbolo de Mártica, um círculo com três filetes d'água ondulados. Seria sua oportunidade de atravessar os muros e contar sobre a aberração para a Guardiã da Água. Tenesya d'Kerrin sentenciaria Jehan à morte. Mas os guardas não acreditariam em sua história. Ele era o filho de Rammir, o Louco. Há cinco anos, seu pai viajara por vários dias em direção ao norte de Mártica, escalara a Longa Muralha de pedra e se jogou sobre o Mar Fervilhante. Só um louco poderia fazer isso. Somente um louco ousaria desafiar a maldição dos Quatro, diziam os marticanos. Meu príncipe de Aleevar. Você será o jovem mais atraente dos Quatro Reinos, disse seu pai antes de sair de casa e nunca mais voltar.

As Sombras de Hivalla: (As Crônicas de Aleevar - Livro 1)Where stories live. Discover now