Capítulo 1 - A Missão do Chanceler

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As notícias que vinham da Europa não eram boas e, aquilo que um dia era apenas uma ameaça, tornou-se real e amedrontador. Eu podia estar o mais longe possível da Grã-Bretanha, mas distâncias eram míseras questões de pontos de vistas no mundo bruxo. O horário marcava sete e meia da noite e eu bebia chá de mate com cachaça no Nove Cuias, enquanto lia O Correio Mágico. Cada vez mais a União Latina de Magia – U.L.M. - exigia cuidado e intensificava as buscas por bruxos das trevas no território dos treze países sem-magia. A Guiana Francesa, por exemplo, era o território mais fiscalizado dos últimos meses, já que a U.L.M. tinha descoberto mais de vinte e sete chaves de portais que ligavam o nosso continente com a França. Por isso eu volto a dizer, no mundo bruxo, distâncias não importam. O jornal ainda noticiava a crescente população aprisionada na Ilha de Fernando de Noronha, isso que estávamos no início de 1973. Havia algum motivo para que tantos bruxos das trevas viessem para o nosso continente e eu esperava que os aurores dos treze países fossem suficiente para combatê-los.

Quando o ponteiro do relógio do Nove Cuias chegou próximo das oito horas da noite, eu tirei quinze Brascas e dei ao garçom, desejando-lhe um ótimo fim de expediente. Era final de janeiro, as festas de final de ano tinham passado há tempos e o verão torrava a cabeça do lado de fora do Navio Afundado quando o dia era claro. À noite, os sem-magia aproveitavam para beber cerveja nas ruas com o clima mais ameno. Eu tive que me vestir como eles para andar pelas calçadas do centro da cidade de Porto Alegre. As minhas ordens eram claras: ir até o portal do Cão de caça. A sede da União Latina de Magia ficava em São Paulo, mas os portais normais para a entrada existiam em todos os lugares da América do Sul. Em Porto Alegre, os principais ficavam dentro do Navio Afundado e essa foi a razão que estranhei ter que ir até o portal do Cão de caça. A subida a pé era ingrime, desgastante e acabava em uma praça próxima a um teatro. Naquela hora tardia, tudo estava vazio naquele ponto da cidade e ficou claro que o sigilo do que eu fazeria em São Paulo era um dos motivos principais.

De frente para o teatro dos sem-magia e ao pé da escadaria da praça, um cachorro feito de bronze observava a paisagem. Olhei para os lados, certificando-me que nenhum sem-magia me visse, peguei minha varinha e passei do focinho do cão até seu rabo. Instantaneamente, ele balançou a cauda e me olhou. Eu esperei a hora certa contando os segundos e desapareci. Abri os olhos e encontrei-me abaixo de um enorme domo cheio de estrelas e com a mão na cabeça do cão. Eu só estive uma vez no Olmirindo, a sede da União, quando era muito pequeno e ainda não tinha sido escolhido para estudar em Castelobruxo. O lugar era enorme e gravava em seu hall principal os chamados Primeiros Bruxos. O chão era composto de mármore branca até os espelhos d'água e as entradas pelos portais indicavam de onde cada bruxo vinha: Buenos Aires, Santiago, Quito, Rio de Janeiro, Bogotá... um corredor feito apenas para a chegada dos trabalhadores da União. Porém, tudo aquilo estava quieto e sombrio. A recepção estava vazia, sem os costumeiros sacis que faziam o trabalho de secretários. Rápidos e eficientes, não era preciso usar corujas, falcões ou papéis enfeitiçados para mandar memorandos ou cartas. Eram seres de total confiança, apesar de alguns serem brincalhões e atrapalhados.

Andei alguns metros pelo corredor dos portais até alcançar os espelhos d'água e ver totalmente o domo. Os espelhos mostravam a bandeira da União e o domo era composto, naquele momento, pelo Mundo Bruxo. Não pude deixar de perceber uma crescente escuridão tomando parte da Europa e da América do Norte. Eu fiquei hipnotizado com aquela imagem em meio à penumbra. Então, uma luz forte fez arder meus olhos. O patrono em forma de cachorro me esperava coçando a sua orelha esquerda. Finalmente, acordei do pensamento que existia em minha mente e segui a forma de luz que me direcionava a um elevador. Senti subir vários andares e cheguei ao topo do Olmirindo. Era uma sala grande, sem corredores e acima das nuvens. Eu era um bom artilheiro de quadribol, mas quando cheguei perto da borda do chão, conseguia ver as luzes da cidade de São Paulo abaixo de mim. Uma luz se acendeu às minhas costas.

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