A loira do banheiro

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– Querem ouvir a história da loira do banheiro?

Sérgio arregalou os olhos, e esta foi a senha para a turma:

– Sim, isso. Conta! Conta! Conta!

– Não se sabe quem era ela... Uns dizem que era apenas uma menina levada que gazeava as aulas pra fumar na última porta do banheiro. Um dia passou mal com tanta fumaça, escorregou, deu com a cabeça no vaso e morreu. Outros dizem que era uma mocinha inocente, tendo sido estuprada e esquartejada na hora em que foi dar uma simples mijada! Ou ainda que era uma criatura horripilante, tão hostilizada por todos que passava dia e noite trancada no único lugar onde vivia em paz, o banheiro. Certa noite, ela resolver invocar as forças malignas para ali permanecer para sempre...

Para o deleite de todos Cabaço ouvia Paulão com toda a atenção do mundo, o queixo caindo e a cara se esbugalhando.

– Não, ninguém sabe de onde ela vem. Mas todos sabem como chamá-la, não é mesmo?

– Sim! Sim!

– Basta ir até a última porta do banheiro, aquela lá do fundo, se fechar lá dentro, xingar, bater o tampo e dar descarga três vezes seguidas, e então...

– Então?! Então?!

– ...então ela aparece! Surge cambaleando, rindo como uma louca, vestindo um roupão daqueles de mesa de cirurgia. As narinas tampadas de algodão, o rosto todo deformado de tão cortado e ensanguentado, os olhos injetados. Ela vai te prender lá na última porta, a casa dela, segurando-o com suas mãos vermelhas de sangue, e vai pedir para você tirar o algodão de suas narinas pra passar nas suas cicatrizes, e depois...

– Depois?! Depois?!

Ninguém sabe. Os poucos sobreviventes dessa experiência sobrenatural ficaram loucos, incapazes de revelar o que presenciaram. Só existe um jeito de saber: ir lá e chamá-la...!

Todos ficaram em silêncio, arrepiados, sem querer deixar transparecer seu medo. Exceto Cabaço, claro, que roendo as unhas, exclamou a Paulão.

– Puxa vida, que apavorante...!

Aquilo foi um alívio geral. A turma desandou em gargalhadas, enquanto Paulão pôs-se a chacoalhar Sérgio, agitando a todos feito o maestro da orquestra:

– Ca-ba-ço, me-dro-so! Ca-ba-ço, me-dro-so!

Aconteceu então algo curioso. Qualquer medroso, em horas assim, deveria baixar a cabeça em sinal de derrota, admitindo sua covardia antes da pilhéria do povo lhe reservar algo ainda mais assustador. Mas Sérgio, como era um medroso de coragem, fez justo o contrário. Desvencilhou-se dos braços musculosos de Paulão e, numa atitude surpreendente, pôs-se a protestar:

– Não sou medroso!

– É sim! É sim!

– Não sou! Não sou!

– Ca-ba-ço, me-dro-so!

– Espera um pouco, galera – Paulão sacudiu suas mãozonas, chamando a atenção de todos – Nosso amigo aqui diz ser ter coragem. Por que então não lhe damos a chance de provar?

– Isso... – sussurraram os de pensamento mais rápido, já pressentindo ondo tudo ia terminar.

– Vamos mandá-lo chamar a loira! - Paulão exultou, levantando a galera. Em plena madrugada, fazer Cabaço ir chamar a loira naquele banheiro do acampamento, que de tão sujo e decrépito conseguia ser sinistro em plena luz do dia, era uma ideia genial demais. Até porque o banheiro, como todos bem sabiam, não tinha sequer luz elétrica. Mas tinha sua temível porta do fundo, que por ser a terceira (número favorito da loira, a julgar pelo número de repetições necessários à sua evocação), sem dúvida era o acampamento de férias preferido da assombração. Sérgio ainda tentou gaguejar alguma coisa, inventar alguma desculpa, mas ninguém estava lhe ouvindo. Apenas se limitaram a erguê-lo do chão e ir arrastando-o em direção à escuridão lá fora.

Cabra de Bigode - e outras históriasWhere stories live. Discover now