Ele sabia que, por mais merda que tivesse feito, por mais desperdiçada que sua vida miserável tivesse se tornado, ela sempre sofreria por ele. E era isso que quebrava o coração de Lucien. E, se ela soubesse do resto... Tamlin, Feyre, Ianthe, Elain, o caldeirão... Ele morria por dentro só de pensar.

  Depois de Resilla, foi a vez dos filhos. De uma vez, seus irmãos se levantaram de seus respectivos assentos e foram para a frente. Lucien percebeu as pessoas se remexendo, todas esperando para ver o que ele faria, e sentiu uma satisfação cruel por permanecer imóvel. Deixe que se divirtam fofocando depois. Foi só quando todos haviam voltado a se sentar que ele repentinamente ficou em pé, as mãos nos bolsos do sobretudo, e começou a se mover pelo corredor do centro.

  Tentou manter a face neutra, como havia aprendido na corte, mas no final sabia como devia parecer: sobrancelhas levemente franzidas, rosto grave e bonito de um lado, grotesco do outro. Às vezes, ele sentia falta de sua velha máscara de raposa, por mais que se odiasse por isso. Quando a usava, não ficava exposto assim. Suas cicatrizes e o olho de metal eram um lembrete constante de todas as vezes em que sua vida estivera nas mãos de outra pessoa. E ele sabia que os antigos membros da corte do pai sentados ali deviam ter aguardado ansiosamente por cada notícia de todos os seus fracassos nas últimas décadas: um macho mutilado, expulso de duas cortes e que morava com humanos, cuja parceira não o queria... A contragosto, ele abriu um sorrisinho. Primeiro, pelo número surpreendente grande de desgraças; depois, um mais cruel, o que estava acostumado a dar quando usava a máscara, pois foi quando finalmente viu Beron.

  Seu pai estava pálido e extraordinariamente feio. Seu rosto inchara, e pelancas começavam a despencar dos ossos, por mais magia que estivesse sendo usada para mantê-lo inteiro. Além disso, parecia levemente verde. Sua expressão era de completo descontentamento, como sempre fora em vida. Lucien observou-o e então observou seu próprio reflexo no vidro, os olhos desiguais e o cabelo vermelho. É, pai, ao menos desta vez estou melhor do que você. 

  - Eris tirou meu exílio - contou em voz baixa, para explicar o motivo de estar ali. - Só vim para dizer que ninguém vai lamentar a sua morte. E que eu gostaria de ter feito isso eu mesmo. Jurei matá-lo, lembra... Quando você a assassinou. - Cerrou os dentes. - Só mais uma coisa em que falhei.

  Ele respirou fundo.

  - Te vejo no inferno, pai.

  Ainda assim, suas pernas não se moveram ao seu comando. Lucien não pôde impedir-se de ficar parado lá na frente de todo mundo, imóvel, sendo atingido pelas lembranças como se fossem uma enxurrada de flechas. Jesminda, sorrindo, ele, mentindo para Beron, se escondendo embaixo de uma mesa quando criança, sendo caçado, promessas de amor, quando se pediram em casamento, ela morrendo por sua culpa, o som do coração dela parando de bater... 

  - A-ham. - Eris pigarreou, tirando-o do transe.

  Horrorizado, Lucien deu um passo para trás e se deu conta de que não podia se virar e encarar qualquer um da corte, porque ele era pior. O que estava fazendo, indo ao velório do assassino de Jesminda? Voltando a uma Corte que não lhe pertencia, como se tivesse direito de algo? Como se fosse melhor do que qualquer um deles? Ele era... Patético.

  Se sua parceira ainda não vira isso, o que parecia bem impossível, com certeza viu quando Lucien mudou a direção para a floresta à direita e saiu em disparada.

  A floresta passando como um borrão ao seu redor lentamente começou a confortá-lo. Lucien não olhava para o chão, nem prestou atenção à frente, só... Correu. 

  Corra, Lucien, não olhe para trás.

  Ele parou e vomitou todo o almoço em um tronco caído. 

O Conto de Lucien e JesmindaWhere stories live. Discover now