THIS CITY | George Russell

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— Puta merda, essa tá doendo.

— Você quer que eu pare e dê um tempo? — O tatuador tirou a maquininha do contato com a minha pele ao me encarar.

— Não, pode continuar. Quero sofrer de uma
vez só. — Respondi enquanto tomava outro gole do whiskey que me acompanhava há, aproximadamente, uma hora.

— Você que sabe.

—Só vai, cara. — Incentivei com a cabeça.

A dor de uma tatuagem era apenas uma maneira de camuflar o sofrimento real. Tinha se tornado um ritual, todas às vezes que eu quebrava o coração, rabiscava meu corpo. Só não esperava voltar tão cedo.

O tamanho de cada desenho correspondia à cicatriz que eu levava. E a gigante flor de lótus que se formava em minha costela indicava o quanto eu estava quebrada. E, na minha cabeça, nada tirava o fato de que era minha culpa.

Eu nunca fui uma grande fã da capital da Inglaterra, acabei aqui por motivos familiares, mas sempre senti que não estava em casa nessa cidade. Algo me dizia que logo menos, ela se tornaria palco para memórias dolorosas demais, como se ela mesma me ferisse só por existir.

Mas antes de te deixar joelhos, ela te acolhe, afaga. E só depois, acerta em cheio as suas pernas, fazendo você e o chão terem o mesmo valor insignificante. Londres foi cruel. Me deu a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida e não hesitou em tira-lo de mim.

Ainda consigo ouvir a voz manhosa de Russell, jogado no sofá do apartamento que dividia com meus pais, pedindo para que não saíssemos naquela quarta feira.

— Lea, vamos ficar aqui. Por favor. — Os olhos grandes de George piscavam rapidamente.

— Ah não, babe. Nós precisamos comemorar o fato que você venceu aquele GP. — Me abaixei no braço do móvel e beijei sua bochecha — E usando as cores da Mercedes.

— Mas isso foi domingo. A gente já está no meio da semana.

— Porque você só chegou hoje. Se estivesse aqui domingo, nós teríamos saído domingo.

— Você é incansável, não é? — Russell deu um sorriso ao me ver parada balançando as chaves do carro.

— Sim! — Puxei-o pela mão fazendo com que se levantasse — Você fez um ótimo trabalho lá, eu estou muito orgulhosa.

O inglês era bem mais alto do que eu, o que fazia com que ele se curvasse para abraçar minha cintura e beijar meus lábios. E ele sabia fazer aquilo como nenhuma outra pessoa.

George era meu vizinho — que aparecia de quinze em quinze dias. Ou uma vez no mês. Mas ainda assim, um elegante e incrivelmente charmoso vizinho. Me apaixonar por aqueles traços tão únicos não foi difícil.

— Eu só vou porque eu te amo muito.

— Eu sei! — Dei uma risada gostosa.

A noite na cidade era tranquila, não havia muito movimento nas ruas, mas os bares — ou pubs — estavam sempre perto da sua lotação máxima. Mesmo assim, não conseguia entender de onde aquele outro carro surgiu.

Estávamos voltando para casa, por volta das quatro da manhã. No banco de passageiros, eu adormecia levemente e George dirigia calmamente pelas vias. Ele não havia bebido, na verdade, ele nunca fazia consumo de bebidas alcoólicas, deixava para mim aquele prazer, mas sempre cuidava das minhas ressacas com todo o amor do mundo.

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