Surgery

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No dia seguinte, no consultório do doutor, minha mãe não parava de fazer perguntas enquanto ele estudava os exames que havíamos feito no dia anterior. Eu me sentia ansiosa para saber logo o resultado de todos os exames. Eu não queria ter falsas esperanças, mas era difícil não tê-las após
alguns comentários dele.

Voltar a enxergar era tudo o que eu mais queria no momento. Ser uma garota normal novamente. Poder fazer o que eu quiser sem depender de ninguém para me guiar ou me ajudar. Poder ver o rosto de Juliette e seus olhos olhando para mim. Era isso o que eu queria...

-Eu tenho uma boa noticia e uma ruim - anunciou o doutor se dirigindo a nós.

- Qual é a boa?-perguntou minha mãe.

Meu coração batia mais rápido e eu respirei fundo esperando a noticia.

- Sarah tem, sim, possibilidades de voltar a enxergar.

Minha mãe gemeu ao meu lado como se não pudesse acreditar no que ele dizia. Eu também não podia acreditar e não sabia seria ou chorava e por fim, pousei a cabeça nas mãos, tentando me controlar.

- Mas há um problema - continuou o doutor - Olhe, Sra. Andrade, a partir do exame que fiz do nervo óptico percebi que há algo obstruindo o nervo. Creio que, no acidente, quando os vidros explodiram, pequenos cacos de vidro penetraram os olhos de Sarah e esses cacos pararam exatamente no nervo óptico que é responsável em transportar as sensações visuais para cérebro.
Esse é o motivo da cegueira de Sarah. - Ele fez uma pausa - Há um caco maior, nos dois olhos, que pressiona o nervo. A senhora pode ver aqui no exame. É por esse motivo que ela sente dores, talvez quando chora ou coça
muito os olhos... Acontece que esse caco não sairá sem cirurgia e a cirurgia é arriscada. Pelo que eu posso ver, o olho direito está mais em perigo que o esquerdo e é por esse motivo que eu recomendo a cirurgia. Se os cacos começarem a pressionar mais os nervos, Sarah pode, sim, vir a perder a visão para sempre.

- É arriscado-murmurou minha mãe com a voz tremula.

-Sim, é arriscado.

- Eu estou disposta, mãe.

- Eu não sei Sarah...

- Mãe... Se a cirurgia der errado, não vai ser muito diferente do estado em que eu estou agora. Eu vou continuar cega. Não é doutor?

- Basicamente, sim

- Então, mãe! Eu prefiro correr o risco e saber que existe uma possibilidade do que ficar nesse estado para sempre.

- Olhe Sra. Andrade, eu não irei afirmar que sua filha terá 100% de chance de voltar a enxergar. O risco é grande, creio que ela terá 50%, se não for menos.

Mordi os lábios, nervosa. Era uma situação complicada, mas a decisão devia ser minha e apenas minha e ela já estava tomada.

- Sarah, eu não tenho certeza... - murmurou minha mãe com a voz tremula e um pouco ansiosa.

- Eu quero arriscar - afirmei segura.

- Nós vamos conversar com seu pai. Não vamos permitir que você faça uma cirurgia tão arriscada sem termos 100% de certeza que você ficará bem.

- Essa decisão não cabe a você!

- Não vamos discutir isso aqui, Sarah - Minha mãe arrastou a cadeira e se levantou, eu fiz o mesmo-Vamos conversar em casa doutor e assim que tivermos uma resposta lhe comunicaremos.

- Fique tranquila Sra. Andrade, levem o tempo que precisarem. Sei o quanto esse assunto é delicado.

- Bem, até qualquer dia, doutor - ela se despediu e pegou em minha mão - Vamos embora.

- Tchau doutor.

O caminho do consultório a minha casa foi feito em total silencio. Minha mãe parecia contrariada e receosa e eu sabia que se tocasse no assunto ali, no
carro, começaríamos a discutir.

Ela tinha medo de que algo ruim acontecesse comigo, isso eu podia
entender, mas ela não iria ficar cuidando de mim, como se eu fosse uma criança, para o resto da vida. Eu não iria permitir que isso acontecesse.

Soltei um suspiro irritada e cruzei os braços sobre o peito, sentindo o carro deslizar suavemente sobre a rua. Eu preferia me arriscar a fazer a cirurgia e voltar a ficar cega definitivamente do que permanecer como estou e não ter
ousado fazer nada. Eu me sentiria impotente se isso acontecesse.

Ao estacionar na garagem de casa, minha mãe não fez movimento nenhum para sair do carro. A porta continuava trancada.

- Nós não vamos conversar aqui...- eu disse querendo abrir a trava do carro.

- Vamos, sim.

- Mãe, eu não sou uma criança para você ficar me dizendo o que é certo ou não fazer.

- Eu só quero o que é melhor para você!

- Todos os pais dizem isso! - exclamei - Mas eu sei o que eu quero. Eu também sei o que é melhor para mim e nesse momento, o que é melhor para mim não para você!

- Você não sabe o que é melhor para você nesse momento!

-Mãe, qual é o risco que eu estarei correndo?

- Você vai ficar cega!!!- ela exclamou desesperada. Começou a chorar, mas, nem mesmo isso, me fez sentir pena.

- Você esqueceu de uma coisa, mãe - eu disse baixo e entre dentes - Eu já sou cega. Você não pode mudar esse fato.

Ficamos quietas.

Nós nunca havíamos discutido dessa maneira e, de alguma forma, discutir com ela me fez lembrar de minha discussão com Juliette na tarde de domingo.

- Abra essa maldita portal - exclamei mexendo no trinco.

Eu precisava sair dali. Sair daquela casa, daquela rua. Eu precisava ficar longe.

Quando desci do carro, a primeira coisa que fiz foi chamar Bob que, de pronto, veio correndo até mim.

- Vamos dar uma volta.

-Aonde você vai, Sarah?- perguntou minha mãe descendo do carro.

- Para longe - respondi andando até a porta da frente para pegar a coleira no hall.

- Sarah, você não vai sair! - ela me seguiu.

- Vou, sim! Estou cansada de ficar ouvindo você me dizer o que fazer. Me deixe em paz!!!

- Aonde vai??

- NÃO-TE-INTERESSA! - gritei colocando a coleira no cachorro e andando em direção a rua - E não tente me seguir!

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By My Eyes - Sariette Version Where stories live. Discover now