A sala das cadeiras - Part 2

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Lembro da minha primeira consulta claramente. A medica terapeuta estava sorrindo na porta quando cheguei, como se estivesse me esperando. Meu pai ficou do lado de fora e acenou para mim me motivando que estava tudo bem. Quando a porta se fechou, ela gentilmente me disse para me sentar onde eu quisesse, havia todo tipo de assento na sala; Sofã grande encostado na parede da janela, ele tinha quatro tipo de estampas direfentes, como listras sortidas, poltronas rígidas e outras que pareciam muito macias, como se fosse para te acolher, cadeiras e pufes de vários tamanhos e cores. A escolha da cadeira não pareceu algo tao simples e comecei a pensar que a partir de então nada seria. Meu pai me garantiu que ela era medica, mas achei logo que não seria uma simples consultas como aqueles médicos que te dizem o que fazer, sabe: "Abra a boca, vou examinar sua garganta" ou "respire fundo e solte o ar devagar" Não esse tipo de medico, ela iria examinar minha cabeça e eu podia estar sendo examinado naquele momento. Depois de olhar hesitante as opções, decidi me sentar no chão, no tapete. Quando a medica sorriu para mim concordando percebi que o tapete também era uma opção. Tudo era um tipo de exame. Ela se sentou no chão comigo e se apresentou como Flávia.

A gente se apresentou como se estivéssemos acabados de nos conhecer, mas eu achei mesmo que ela já soubesse meu nome e minha idade e muitas outras coisas, mesmo assim, acompanhei o teatrinho. "Sabe por que esta aqui Mateus?" Ela me perguntou. Eu balancei a cabeça confirmando que sabia. "Você poderia dizer pra mim..." De alguma forma ela conseguia perguntar sem parecer uma pergunta. "Minha mãe morreu." Falei direto e sem rodeios, essa certeza eu tinha, ela havia morrido e a transformaram em cinzas e ela iria virar uma arvore de goiaba.

A Doutora pareceu triste por mim. E eu queria dizer pra ela não ficar por que minha mãe era um fantasma agora e tinha vindo me visitar e isso me deixou menos triste. Mas os adultos tem uma reação muito ruim a palavra fantasma, acho que é culpa desses filmes de terror.

Ela pegou um livro e começou a ler ele pra mim, me mostrando as imagens. Era um livro sobre uma lagarta, que comia a folhas, casava com outra lagarta e tinha lagartinhas, dai o passarinho comia ela e casava com outro passarinho e tinha mais passarinhos, ate o passarinho maior comer ele e depois casar e ter passarinhos maiores e ficar velho, morrer, seu corpo se desmanchar e se misturar a terra, nascer folhas e outra Lagarta comer as folhas e então tudo se repetiria. Flávia explicou que a vida era assim, que nascemos, vivemos e morremos.

Ela me deu folhas para desenhar o que eu quisesse e eu decidi desenhar um carro vermelho com turbo. "Tem alguem dentro do carro Mateus, alguem com você?" Eu disse que não, pois não tinha ninguém mesmo.

Nossa consulta chegou ao fim, papai estava me esperando quando a porta da sala se abriu, peguei sua mão e acenei tchau para Flávia que acenou de volta sorrindo.

Saímos do prédio de cor amarelo, meu pai disse para eu esperar na parte coberta, pois estava garoando e foi pegar o carro onde havia estacionado. Era de noite já e eu imaginei que fosse perto do jantar por que eu estava com fome.

"Que desenho mais lindo!" Me virei para voz e la estava ela, minha mãe estava olhando pra mim do mesmo jeito de quando eu saia da escola carregando minha atividade de classe na mão. "Sabia que ia gostar mãe, olha dessa vez fiz as rodas de trás maiores." Ela riu e eu queria poder me atirar nos braços dela, mas o papai apareceu. "Vamos campeão!" Quando voltei a olhar na direção que ela estava, ela havia sumido. Corri pro carro protegendo o desenho da chuva junto ao corpo. "E como foi la? Gostou da Dra. Flávia?" Meu pai me perguntou. "Ela é legal." Ele pareceu pensar na minha resposta. "Vou ter que vir de novo?" Perguntei em seguida.

"Só se você quiser filho..." Gostei de saber que eu tinha o poder da escolha.

"Você quer voltar?" Ele perguntou e eu concordei com a cabeça que sim, afinal a única coisa que eu temia era que ir a Dra Flávia de algum modo fizesse minha mãe parar de vir me ver, desaparecer de vez. Isso eu não poderia aceitar. Mas não foi o que aconteceu e vir ver a Dra Flávia deixou meu pai feliz.

Minha mãe é um FantasmaWhere stories live. Discover now