Holanda

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O   V I Z I N H O 


Sempre quis sair da casa dos meus pais, não porque tínhamos uma relação ruim ou algo do gênero, mas porque queria conquistar meu próprio espaço no mundo e como eles me apoiavam, me deram um apartamento quase no centro de Haía. Não foi comprado, sim acertaram tudo sobre o aluguel e o contrato. Nosso acordo era simples, eles pagariam a mensalidade da faculdade e eu a moradia.

Me mudei ao dezenove anos, dois meses antes das aulas começarem. Saí em busca do meu próprio caminho, me sentia forte e inabalável, era eu contra o mundo.

O apartamento era pequeno, apenas um quarto com banheiro e espaço em conceito aberto, onde o que separava a sala da cozinha era somente um balcão de granito preto. Mas era o suficiente para mim e minha recém adquirida independência.

Consegui um emprego de ajudante de cozinha em um restaurante ali perto e também ficava de babá para a vizinha da frente, não era muito, porém era o bastante. Minha vida estava funcionando.

Logo as aulas começaram, então minha rotina mudou. Eu já não tinha tempo livre, dividia minha vida entre as atividades da universidade e os dois empregos. Passava tanto tempo fora de casa, que quando retornava, só queira algo pré-pronto e me jogar de corpo e alma na minha cama.

Os domingos eram meu ponto de paz, onde eu podia  descansar meus músculos, dormir até tarde e cozinhar algo decente como refeição. Era meu pequeno paraíso... até o novo vizinho chegar.

Rutger, assim como eu, estudava na Hague University. Morava no apartamento acima do meu e também trabalhava fora, então era impossível não vê-lo, fosse no elevador, na faculdade ou na condução que levava à Hague. Além do mais, ele também era dono de uma aparência singular. O cabelo preto e liso, sempre solto e por vezes parecia emaranhado, quase lhe cobria a face pálida por falta de sol. O rosto exibia um piercing labial, um no nariz e dois nas sobrancelhas. Vivia de peças de roupas escuras, em sua maioria preto, que deixavam de fora suas duas mãos ossudas, onde existiam três tatuagens. Duas na mão direita ( um beija-flor e um lírio) e uma na esquerda ( uma teia de aranha bem grande). E ele também tinha um desenho permanente na face canhota, uma maçã com uma flecha atravessada.

Seu primeiro mês ali fora tranquilo, ele era quieto e discreto. E de tanto nos vermos, passamos a nos cumprimentar com um leve sorriso. Então, comecei a reparar em seus pequenos detalhes; como em seus dentes amarelados e em seus olhos sem brilho e rodeados por olheiras profundas e escurecidas. Meus preconceito logo o julgou como dependente químico, coisa que nunca foi comprovado.

Minha relação amistosa com o vizinho de cima mudou totalmente depois que ele decidiu que seria de bom tom, ouvir ópera em um volume estridente às duas da manhã de uma terça-feira. Foi a primeira vez que não dormi direito devido às badernas de Rutger, infelizmente não fora a única.

Nunca soube o motivo para sua mudança, de rapaz calmo e discreto a arruaceiro. Ele passou a dar festas e chamar amigos cada vez mais barulhentos. As badernas eram intensas e por vezes era possível ouvir suas vadias gritarem em meio ao orgasmo. Era nojento.

Quando fui reclamar com o síndico, ele me disse que nada poderia ser feito até que outros moradores se incomodassem com tal situação. O jeito foi bater na porta dos outros inquilinos, porém todos disseram que as festas aconteciam em um volume aceitável, que não havia incomodo.

Irritada com a situação, larguei o emprego de babá e passei a sair mais. Assim como passei a ignorar o rosto adoecido de Rutger. Quando nos encontravamos, já não existia o olhar gentil ou um leve cumprimento cordial, eu o cortava com o olhos e xingava mentalmente.

Em uma noite, semanas depois que comecei a repudiar a presença do vizinho de cima, o telefone fixo tocou. Não seria estranho ou anormal se acontecesse com frequência, mas em seis  meses morando naquele prédio, o aparelho nunca tocara.

Era uma vez na Deep WebWhere stories live. Discover now