Prefácio

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Na minha infância Ba'chan Momoko maneira pela qual sempre me dirigi a minha avó, parecia a pessoa mais fantástica de todo o planeta. Ela tinha crescido em um outro mundo, havia sobrevivido a guerra, cruzado o oceano a bordo de um navio a vapor, era cozinheira cantora e falava duas línguas. Tudo parecia tão magnifico para uma criança que nunca havia saído de sua cidade e sempre que a visitava súplicava que ela me contasse mais de suas histórias. Ela com certa relutância me atendia e as contava como se aquilo fosse um segredo íntimo confiado apenas a mim e a ninguém mais.

Ainda pequeno desejava poder viver aventuras tão fascinantes como as de Ba'chan. Decidi então que seria explorador e partiria pelo mundo descobrindo novos países e novos continentes, ela sempre me encorajava pedindo que quando isso acontecesse que eu lhe enviasse cartas e presentes e assim passávamos nossas tardes. Certo dia após me despedir de Ba'chan meu pai me explicou que eu não poderia ser explorador pois todos os países e continentes já haviam sido descobertos. É de imaginar que aquilo me deixou triste e depois frustrado- eu havia nascido no século errado.
Pior ainda foi quando completei oitos anos e descobri que as histórias de Ba'chan não poderiam ser reais. As histórias mais magníficas eram quase sempre da sua infância sobre como nascera no Japão e aos nove anos se mudou para o Brasil, da guerra que viveu e da fuga dos homens maus que queriam pôr fim a sua família, dos objetos que assombrava seus amigos...

Era quase impossível não acreditar em Ba'chan desde o dia que me recordo nunca a vi contar uma piada, sempre séria e disciplinada não parecia alguém que contaria mentiras para agradar as demais pessoas e se eu acreditava em fadas, duendes, no papai Noel no boi Tatá não tinha porque duvidar dos homens maus. Mas como mencionei aos oito anos conhecendo melhor os contos de fadas, as lendas e mitos, me convenci também que tudo que minha avó contava não passava de histórias bobas e disse a ela que nunca houve uma guerra no Brasil nos tempos de sua infância, não existiam caçadores de japoneses, e que objetos não podem assombrar ninguém.
Aquilo pareceu magoa-la, ela finalmente começava a compreender que eu estava crescendo e minhas preocupações passariam a ser as de pessoas grandes, e assim ela não mais voltou a narrar suas aventuras tão ilusórias. Anos depois quando completei dezessete anos foi que minha mãe me explicou os segredos de Ba'chan. Suas histórias não eram de fato mentiras, mas sim maneiras destorcidas da realidade, na verdade as histórias de Ba'chan não terminavam com finais felizes como os contos de fadas e sim de um jeito sombrio.
Minha avó veio com sua família para o Brasil não com a intenção de morarem aqui, mas sim ficarem ricos e voltarem para o Japão. Ela tinha nove anos quando seus pais deixaram sua avó a qual minha Ba'chan nunca mais tornou a ver. No Brasil passaram muitas dificuldades e os caçadores que Ba'chan me contava eram reais, UETA SEISHIN o fantasma que o pai de Ba'chan lutou, em diversas narrativas dela, nada mais era que a representação da fome, pois houveram tempos que os Matsudas não tinham o que comer, os objetos que assombravam os japoneses no Brasil era o remorso preso a uma foto ou qualquer coisa que pudesse trazer saudades, já a guerra que ela tanto falava foi consequência do regime imposto aos japoneses no Brasil na época que o mundo passava pela segunda guerra mundial no entanto Ba'chan era nova demais para compreender tudo isso.
Levei algum tempo para entender todos os anos de sua vida, a mulher que me contava inúmeras historias, jamais escutava minhas perguntas, narrativas pronunciadas aleatoriamente e que pouco a pouco foram revelando sua jornada.

Talvez devesse escrever essa história da seguinte maneira:

"Em um país muito distante vivia uma menina pequena, de cabelos escuros como a jabuticaba, que sonhava em conhecer o mundo," você certamente leria com enorme carinho e acreditaria que tudo o que leu não passou de um faz de contas, uma dessas histórias sem nenhuma ligação com a realidade e dormiria tranquilo, mas o farei da maneira que ela me contou, dessa forma ao ler você poderá em seguida fechar os olhos e imaginar que esta junto a mim escutando cada palavra saindo da boca de minha avó em um tom suave e meigo, essas lembranças me causam extrema aflição, as guardo na memória, para jamais esquecer.


Ba'chan esta velha, e aos poucos vai esquecendo, o tempo é assim, cruel demais, por tanto devemos guardar tudo que achamos importante em nossos corações histórias que antecedem e sucedem o tempo. Peço perdão pela maneira que escreverei, pelos erros de português que serão gritantes, mas minha avó, minha Ba'chan não sabe falar bem o português e essa história é exclusivamente dela, da visão dela sobre o Brasil e sobre o mundo.
Quando era pequeno Ba'chan me contava suas histórias como se tudo aquilo fosse um segredo íntimo contado apenas a mim e a ninguém mais, no entanto agora divido com vocês esse nosso segredo.





Apresento sem demora: MEMÓRIAS DE UMA BA'CHAN.



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⏰ Last updated: May 30, 2021 ⏰

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Memórias de Ba'chanWhere stories live. Discover now