Capítulo 7: O Natal de Cardan

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Narrador Personagem
- Cardan -

Os fracos raios de luz entram pelas cortinas, me acordando. Gosto desses momentos, em que não lembro de quem eu sou, ou onde estou, nem do que eu fiz... Mas eles sempre duram pouco, e assim que me sento, a primeira coisa que volta é uma dor insuportável.

Eu bebi tanto assim?

E a dor aumenta e se espalha por todo meu corpo.

Ok, agora eu preciso saber o que aconteceu ontem.

Levanto-me e dou passos lentos até chegar ao espelho.
Eu estou...

Completamente horrível.

Machucados e curativos cobrem o meu corpo de alto a baixo. Nunca fiquei tão ferrado em uma briga bêbado na minha vida. Olho pelo quarto a procura de algo que possa ativar minhas memórias.

Nada... o quarto está intacto. Parece até mais limpo do que o normal.

Só espero que não tenham mexido nas minhas car–Uma empregada abre a porta, parecendo surpresa ao me ver em meu próprio quarto.

— Oh, o senhor já acordou? Não deveria estar de pé ainda. Como o senhor se sente? O senhor quer que eu chame um médico? Seu pai? O senhor gostaria de água, gelo, ou um remédio? O senhor deve ficar de repouso no mínimo por uma semana, ou até os ferimentos cicatrizarem, pois o senhor nã— Interrompo-a com um movimento da mão. Cada palavra dita por ela é como uma pancada na minha cabeça.

— Por que eu não consigo me lembrar do que aconteceu?

— Ah, é apenas um efeito temporário dos remédios, senhor.

— E o quê aconteceu comigo?

— A-Ah... Talvez seja melhor eu chamar um médico, senhor. O senhor não deve se levantar por agora, pois pode causar mais dan— Atravesso a porta antes dela ter outra chance de falar.

— Ah, Feliz Natal, senhor!

Natal?

Chego na sala de jantar e vejo a decoração. Globos, sinos, guirlandas, papai noel, festões, pinhas, uma árvore gigante, tudo num dourado e prateado máximo.
Até as meias na lareira são...
espera um pouco...

E, como se nunca tivessem ido, minhas memórias de ontem voltam e me deixam em choque. Saio o mais discretamente possível do salão e de todos os criados que me encaram, como se eu fosse uma aberração. Minha garganta queima e eu me seguro para não chorar. Não posso chorar.

Não te darei esse prazer, irmão.

E, falando no diabo...

— Pequeno Cardan! Feliz Natal, meu querido irmão. Como se sente? — Alekin, junto de meu pai, estampa um sorriso falso enorme em seu rosto duas caras.

Qual terá sido a desculpa da vez?

— Ficamos muito preocupados com você, filho. — O outro falso diz, estampando um sorriso de pai orgulhoso para quem quisesse ver. Mas essa mentira não cola mais comigo, pois sei que, de todos os seus filhos, só se importa com o Dain. Os outros não valem nenhum pouco a pena, já até me acostumei.

— Achei melhor não dizer à sua mãe que você caiu da escada de tão bêbado, tal preocupação não a faria bem. — E o que ele quis dizer com isso foi: você não faz bem à sua mãe. O pai do ano, não é?

"Inspira; expira; e entra na onda..."

— Obrigado, pai. Sei que posso contar com você e agradeço muito isso. Sinto muito por tudo que causei, não irá se repetir. Agora, se me derem licença, irei ao meu quarto descansar. — Pus um sorriso de filho obediente no rosto e saí de lá antes que explodisse.

...

O curativo doía ao ser removido. Após o incrível showzinho daqueles dois, tive que sair do salão e ir para algum lugar tranquilo, sem ninguém para me encher a paciência. Ou seja, a cozinha.

Desde criança, sempre gostei de cozinhar, e admirava meu pai por suas habilidades. Mesmo ele sendo um péssimo pai, ainda me lembro dos bons e raros momentos em que cozinhávamos juntos.

Mas aí, o tempo passou, e ele ficou cada vez mais amargo. A única coisa com que se importava era a Elfhame. E depois que minha mãe adoeceu e ele envelheceu, só aguarda o momento de passar seu legado para meu irmão Dain.

Como primogênito, Alekin deveria receber a empresa como herança, mas nosso pai já deixara muito claro que nunca a passará pra ele. Isso o deixou muito rancoroso, e consequentemente, sobrou para mim.

Parece que a raiva é de família...

Balanço a cabeça, tentando apagar a efêmera imagem de cabelos em coques que mais se pareciam chifres.

O temporizador apita. Desligo o fogo e ponho a luva, pegando a forma de cookies, minha cura favorita para a ressaca. Assopro um e provo.

"Ah, sim. Agora me sinto muito melhor.
Feliz Natal, Cardan."

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⏰ Last updated: Jul 07, 2023 ⏰

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