Capítulo Trinta e Seis

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Ostentando um sorriso debochado, Renan diz: — Não precisa… E você, Elena, quais as qualidades? 

Mostrando-se bem mais humilde que Nabim, Elena levanta as duas mãos para enumerar suas qualidades. 

— Vamos lá… Inteligente, bonita, simpática — muito mesmo, simpática demais. — educada, humilde, boa motorista, melhor filha, melhor irmã, melhor amiga, melhor namorada… Pense no que quiser, Renan, em qualquer coisa serei a melhor. 

— Posso considerar alguns pontos, mas simpática foi forçado demais. Puta merda. 

— Eu sou simpática. — Elena rebate, descartando as palavras de Renan. 

— Tão simpática quanto um tigre pronto para te atacar. — sem conseguir conter a risada, gargalhei.

Meu peito treme por causa da risada e Elena fecha a cara, observando eu e seus amigos rindo da sua "simpatia".

— Vocês não favorecem o meu lado simpático. É tudo culpa de vocês. — indignada, aponta para nós três. — Principalmente, sua. 

Renan nega enfaticamente a acusação. — Nem vem jogar a culpa em mim. Quando eu te conheci, você já era assim. 

Cruzando os braços, Elena o encarou brava. 

— Amor. — chamo. — Quando eu falei sobre as aulas e pedi uma carona, parecia que você ia me matar. 

— Rafael… — movendo-se no sofá, ela fica de frente para mim. E conforme fala, bate a ponta do dedo indicador no meu peito. — Você foi um puta de um folgado. Já chegou comunicando sobre as aulas, não pedindo, afirmando. E depois teve a cara de pau de pedir uma carona. É lógico que não seria legal contigo. 

— Ainda bem que fui folgado. — amolecendo a postura "simpática", Elena sorri pequeno para mim. 

— Ownttt — Juntos, Renan e Nabim voltam a perturbar Elena. 

— Vão se fuder! — voltando para a posição de antes, Elena vira-se de frente para a televisão. 

Voltando ao filme, para podermos assistir as cenas perdidas, nos ajeitamos novamente. 

*

Acordo com calor, Elena tem uma perna passada pela minha cintura e sua respiração constante esquenta meu pescoço. Tateando o aparador que fica do meu lado da cama, procuro meu celular. 

Aperto os olhos por causa da iluminação do celular. Três e meia da manhã, volto o celular para o aparador. Me desvencilhei devagar de Elena, não querendo atrapalhar seu sono.

Levanto com cuidado da cama, Elena se mexe, estranhando ter perdido seu apoio. Contudo, não acorda, virando para o outro lado, retorna ao seu sono.

Saio do seu quarto em silêncio, descendo as escadas em direção a cozinha. Ao chegar noto as luzes acesas, Lucas está com a porta da geladeira aberta e procura algo lá dentro. 

— Oi. — Anuncio minha presença, um pouco desconfortável. Só quando tenho sua atenção em mim, penso que deveria ter vestido uma camiseta, por mais legal que ele tenha sido comigo, encontrar o cara que dorme com a sua filha de madrugada, sem camiseta deve ser uma droga. 

— E aí? — ele coloca os frios, alface, tomate, maionese e uma jarra de suco na ilha da cozinha. — Quer um? — pergunta quando inicia a montagem de seu sanduíche. 

— Não, obrigado. Só vim tomar uma água. 

Com um copo na mão, vou ao filtro embutido e seleciono a temperatura da água e a quantidade. 

— Obrigado por ter ficado com Elena hoje, espero que seus pais não achem ruim de passar a noite aqui. 

Por pais, Lucas se refere ao meu pai. Mas Daniel não implicou nem falou nenhuma merda para mim quando liguei para ele de tarde, depois de tentar falar, sem sucesso, com Joana. As suas únicas palavras depois ouvir o que tinha acontecido hoje foram: 

"Cuide de sua namorada, fique com ela o tempo que precisar". 

Não sei se disse isso porque gosta de Elena ou se ele ainda tem um resquício de empatia no corpo. Indiferente do motivo, fiquei feliz por ele ter apoiado a minha decisão.

Daniel gostando ou não, ficaria exatamente onde estou, porém, saber que ele me disse exatamente o que precisava ouvir, me deu uma sensação boa. 

— Não acharam, não se preocupe. 

Passo uma água no copo após beber a água e coloco no escorredor. 

Noto as juntas das mãos de Lucas machucadas, os nós estão avermelhados e com um aspecto ralado. 

— Nem sempre a diplomacia é a melhor escolha. — fala olhando para o mão. 

— Imagino que nesse caso, não seja mesmo. 

— Sabe, Rafael. Ter filhos é complicado, é como ter o coração fora do peito, é se preocupar com horário, com companhias e pensar se vão colocar alguma substância no copo. Mas você não imagina que o colégio não vai ser um lugar seguro. 

Quieto, escuto suas palavras com atenção. 

— Eu amo o Heitor, ele é o meu menino. Mas Elena… Ela é a minha princesa. Quando Mariana falou que estava grávida de novo, eu quase caí para trás. Heitor tinha um ano e já tínhamos outro filho vindo. 

Ele para, girando de um lado para o outro o pote de maionese. 

' Mas quando a médica falou que era uma menina, eu desmaiei. Desmaiei mesmo, no meio do ultrassom. Mariana ainda joga isso na minha cara, enfim… Eu pensei: Puta merda, uma menina. Eu sabia o que ela tinha pela frente, nem todo dinheiro do mundo pode abafar o preconceito e quando Elena começou a demonstrar suas aptidões para matemática e física, eu me preocupei.'

Sentado na banqueta, observo Lucas, imaginando a sua preocupação. É como ele disse, nem todo dinheiro do mundo pode mascarar comportamentos enraizados de forma tão profunda. 

' Porque eu sabia o que vinha pela frente, apanhei muito na escola por ser ruim em esportes e gostar de roupas, ser chamado de viado e boiola era rotina, conheço o peso do bullying. E não queria isso para ela, então fiz de tudo para blindá-la de futuros ataques. Mas, não consegui protegê-la de tudo. Na olimpíada, ela veio chorando para mim, dizendo que queriam tirá-la da final e eu sofri. Porque minha menina não podia fazer o que amava.'

' E ontem… Ela chorou pelo mesmo motivo, por ser boa demais e por ferir egos demais.'

Lucas tem a voz embargada e minha garganta está travada, não sei nem como medir sua raiva e dor. Fernando e todos os outros são um bando de filhos da puta. 

' Fico feliz dela ter você, eu gosto de você, Rafael. Parece ser um bom garoto para ela.'

— Vou tentar ser, sempre. 

Acenando com a cabeça, ele guarda de volta os itens que usou para fazer seu lanche na geladeira. 

— Boa noite. — se despede. 

— Boa noite. 

Escuto seus passos na escada. Fico um tempo encarando a área da piscina pela janela, digerindo o dia de ontem e as palavras de Lucas. 

A física entre nós [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now