Parte I - Fevereiro

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Noemí

As férias haviam acabado cedo demais e com elas o verão permaneceu. Minhas aulas iniciavam essa manhã e eu estava cansada e com o corpo todo dolorido por conta da festa do dia anterior... a ponto de sequer pensar em ir. Porém a minha obrigação e promessa com meus pais de que eu iria me esforçar para alcançar boas notas estava em evidência, alertando a minha consciência de que eu não poderia falhar com ambos. Eu já era uma droga de filha - ainda que eles nunca assumissem isso -, e eu não queria dar aos meus velhos uma porção de fios brancos antes da hora.

- Você vai se comportar? - perguntou meu pai, sorrindo da sua forma habitual antes de me deixar sair porta a fora.

Nós tínhamos uma boa vida em São Paulo. Quer dizer, eu pensava que tínhamos, de acordo com os padrões. Nós vivíamos bem. Carro do ano, casa própria e casa de férias no Guarujá, minha mesada um tanto redonda e a certeza de que eu poderia fazer o que bem entendesse com o dinheiro.

Meu pai era um consultor empresarial e minha mãe dona de uma clinica de estética da Avenida Paulista. E essa porcaria de clínica era apenas o sonho de todas as minhas colegas da escola. Bem, elas adoravam a ideia de que poderiam ter suas bundas massageadas de graça apenas por serem minhas amigas.

- Você sabe que eu me comporto. - rebati, rolando os olhos. Meu pai sorriu e colocou no meu campo de visão uma pequena sacola de papel com algo quente em minhas mãos.

- Coma.

Não foi um pedido.

O colégio Objetivo era conhecido por inúmeras coisas. De todas elas, evidentemente, as drogas, as companhias erradas, os garotos ricos e os nerds. Lá estava quem queria passar de ano, entrar em uma boa universidade e também os filhos dos papais que tinham condições de pagarem bons estudos para a geração do futuro. Digo, com toda a certeza, que eu estava entre o meio disso tudo. Tirando as drogas, algo que nunca efetivamente usei, a não ser o álcool, eu tinha algo como companhias erradas, garotos ricos e um lado nerd oculto que somente meus pais conheciam em meus momentos de início do ano. Algo que eu tentaria, com certeza, fazê-lo agora.

Eu disse que tentaria, certo?

Desci com meus coturnos pretos, agradecendo a Deus pela nova coleção que minha mãe havia comprado no shopping, e estiquei meu corpo buscando espreguiçar-me. Dei uma mordida no misto quente e guardei o resto na bolsa, preocupada demais com a quantidade de amido essa hora da manhã. Girei os olhos para a porção de garotos que estavam me encarando e forcei meus passos mais adiante.

Era evidente, pelas minhas roupas, que eu não queria dar uma impressão de ser uma garota certa para puxar papo. Cada dia eu adotava uma personalidade e hoje eu era a gótica fodida e antissocial. Minhas pálpebras estavam pretas e lotadas de rímel, intensificando meus olhos cor de mel e a pele bronzeada graças às férias em Búzios. Meu vestido era justo e rasgado em alguns lugares propositais. A pequena mochila que eu carregava não trazia nada além de um caderno insignificante e uma caneta.

Olhei para os lados procurando a Luana e a encontrei após trombar com algumas pessoas. Ela acenou para mim e sorriu, já aproximando seus passos. Os cabelos loiros e cacheados estavam caídos em suas costas e os olhos brilhantes e claros cintilaram até mim. Ela parecia uma verdadeira patricinha, vestindo aquelas roupas da última moda, enquanto eu tinha algumas correntes de prata, roupas pretas curtas e meu piercing na língua para provocá-la. A primeira coisa que fiz foi exibir o feito e ela gritou assustada.

- Mas que merda é essa? - perguntou, olhando atentamente a pequena circunferência metálica.

- Piercing. Acho que você sabe o que é. - provoquei, exibindo a língua, deixando-me com a voz engraçada. Ela bufou.

Pimenta MalaguetaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora