- Thali, a gente ficou de ajudar a nossa mãe a guardar as compras na cozinha – Cecília começou.
- É, ela ficou preocupada de vocês não terem nada para comer... enfim, qualquer coisa estamos lá embaixo - Théo piscou para mim e os dois saíram do quarto.
- Estás me assustando, mãe - levantei-me. - Fala logo, por favor!
- É... - tentou tomar coragem – vocês estavam falando sobre quando voltaria a estudar e me ligaram agora para confirmar que tua matrícula foi aceita e começas depois de amanhã.
- Tudo bem, mas porque estás fazendo essa cara para isto?
- O problema não é quando tu volta, mas para onde vais! - disse um pouco nervosa.
Um sentimento ruim cresceu em meu peito.
- E para onde eu vou? - perguntei com medo.
- Colégio Rio Grandense – falou devagar.
- O que? - eu disse de forma baixa sem raciocinar direito – Eu vou para o CRG? Não estás falando sério, não é?
- Pior que estou – se afastou um pouco de mim.
- Mãe, enlouqueceu? - gritei, não acreditando no que acabei de ouvir - Além de me trazer para o Brasil de novo, vai me fazer voltar para aquele colégio? Não pode ser verdade, não pode ser verdade!
- Desculpe, filha, mas não havia outro... - ela tentou falar, mas interrompi.
- Por quê? Por quê? - senti lágrimas escorrerem do meu rosto - Mãe, tu sabe tudo o que eu passei no CRG depois que... que aquilo aconteceu. Tu sabe o quanto foi difícil para mim! Por favor, eu te imploro, me coloca em qualquer outro colégio. Tem tantas outras que são tão boas e que a gente tem condições de arcar... por favor, estou te pedindo, por favor...
- Eu sei de tudo isso, meu amor – falou, abaixando a cabeça. - Mas o CRG foi o único a te aceitar com as aulas já iniciadas justamente por já ter estudado lá. Eu mais do que ninguém sei o quanto sofreu no teu último ano lá, mas não consegui impedir – virei de costas para ela, sentando-me na minha cama. - Mas talvez seja bom para ti voltar lá... quem sabe consigas superar.
- Superar? - olhei para ela. Minha visão já estava embasada de tanto chorar. Apenas suspirei trêmula - Não consigo, não consigo...
- Talvez Deus tenha te colocado lá para te ajudar a... - a interrompi.
- Não, mamãe, por favor não - falei de forma cansada e com minha cabeça encostada em meus joelhos.
- Tudo bem – se aproximou de mim e me abraçou. - Desculpe-me, filha. Desculpe não ter conseguido evitar isso. Mas tudo tem um propósito, mesmo que tu não acredite agora.
Apenas balancei a cabeça em negação, com ela abraçada a mim.
🌹 🌹 🌹
*- Como assim, Thalita? - Stayce gritou – Olha, eu amo sua família, mas eles estão querendo fazer tipo um intensivão de como superar uma tragédia em trinta dias?- Eu não sei – falei com a cabeça apoiada na minha mão e encarando a minha amiga através do computador. - Assim, eu sei que a culpa não é deles, mas sei também que voltar vai trazer todas aquelas memórias. Já está acontecendo, não é? - ela apenas levantou as sobrancelhas concordando. - Minha mãe disse que pode ser um jeito de superar...
- Pode ser que sim, quem sabe? - falou, tentando me dar esperança.
- Não. Eu não vou conseguir – neguei com a cabeça.
- Como pode ter tanta certeza?
- Porque eu tive dois anos para superar e eu não superei. Então não! Não vou conseguir!
- Tudo bem... - respirou fundo – Saiba que pode contar comigo sempre que quiser.
- Eu sei disso – dei um sorriso para ela. - E te agradeço muito.
- Tem alguém aí para ficar com você durante esses dias? Pelo menos até começar suas aulas? - perguntou, preocupada.
- Meus primos vão dormir aqui hoje – apontei para a porta atrás de mim.
- É a Cecília e o Théo? - perguntou com um sorriso no rosto e assenti – Queria conhecê-los. Você fala tão bem deles...
- Vai poder conhecer quando vier para o Brasil – pisquei e ela deu risada.
- Indireta bem direta, né? - dei de ombros - Daqui a pouco entram aqueles feriados estendidos e eu vou para aí, prometo! - uma voz surgiu no fundo nos interrompendo. Ela virou o rosto e falou alguma coisa que eu não entendi – Amiga, desculpa, mas vou ter que ir, minha mãe está me chamando. Mas olha, qualquer coisa você me liga, está bem? A hora que precisar.
- Obrigada Stacy –* fechei o notebook e fixei meu olhar na parede.
- Thali? - meus primos apareceram na porta sorrindo.
Dei um sorriso para eles e me levantei. Pelo menos aquela noite seria divertida.
🌹 🌹 🌹
- Thalita, olha só... - o cara perto de mim começa.- Cuidado! – a menina que está entre nós grita.
Eu só consigo olhar para o lado e ver um farol vindo em minha direção.
- Não! - escuto uma voz grossa gritar e sinto um peso sobre mim, como se alguém tivesse pulado em minha direção e me abraçado.
Tudo ficou escuro.
Acordei com o rosto cheio de lágrimas e suando frio. Sentei-me na cama e continuei a chorar cada vez mais alto, não conseguindo me controlar. Cecília e Théo acordaram e tentaram me consolar. Mas não tinha jeito, eu sabia que aquilo ia acontecer.
As lembranças daquele dia voltaram.
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Apenas Um Acaso...?
Spiritual"- Não, não, não não, não! - desesperei-me, apertando o botãozinho que tem ao lado da cama e indo em direção a porta - Enfermeira! Doutor! Alguém, por favor, ajuda! Voltei até a cama onde estava e começei a colocar a mão em seu rosto. -Por favor, nã...
03- O Primeiro Confronto Com o Passado
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