Carpe diem

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Observava calmamente as próprias unhas. Os dedos finos, longos, belos e delicados. Estava sentado na mesma posição há mais tempo do que podia contar, com suas pernas cruzadas e a coluna ereta, postura perfeita.

O sangue que corria em suas veias com pressão era puramente sueco, sua família era rica, sua beleza era estonteante, sua carreira era incrivelmente bem-sucedida, mas nada disso parecia lhe ajudar.

No dedo anelar, a marca da aliança que usara por tanto tempo. Passou a ponta do polegar da mesma mão sobre a fina marquinha, a observando.

A verdade era nua e crua, simples. Ele amara, mas nunca fora amado de volta. E se fora, aquele homem não amava sua personalidade, e sim seu rosto belo e delicado. Amava seu corpo, e não sua essência. Amava o frasco do perfume, e não o aroma. Era o mesmo que almejar um livro, tê-lo por causa de uma capa bem desenhada, mas não ligar se sua história é interessante ou se o autor escrevera com o coração.

Levantou-se e caminhou até a porta, saindo do apartamento e fechando-o atrás de si. A medida que ganhava a rua, sentiu sua coluna se arrepiar em frio, o zéfiro lhe arrastando os cabelos longos para trás e fazendo com que eles ondulassem no ar. Os olhos claros e limpos se mantinham fixos na calçada. Noite... Apenas noite, estrelada, como se zombasse de sua própria amargura.

– Sábios são aqueles que se encontram fora de alcance. - ouviu e virou seu rosto em direção ao som. Apenas uma cigana... - Preferiram simplesmente se ausentar. A sensação de respirar restos de fumaça não é deteriorante?

Sequer deu de ombros, sabia que era verdade. Tudo acabado entre eles naquela madrugada.

Ele próprio chorou, e ironicamente, o desgraçado também. Frente a frente, olhos nos olhos, imponentes como se impossível dizer em entre os dois era mais poderoso, ditaram os erros e defeitos, magoaram mais e mais, sobrepovoaram as mágoas antigas e criaram novas. Nunca foram feitos um para o outro, afinal.

Seu maldito ex cônjuge era um idiota egocêntrico e infantil, ciumento sem causa e sem lógica. Brigavam todos os dias, afinal, não se deixaria calar só porque Manigold, amaldiçoado seja, Maskerad, o mandava calar ameaçando ir embora ou contar seus segredos.

"Que se foda", pensou enquanto seus passos ecoavam pela calçada. "Você partiu, e eu fiquei. Se você volta outra vez, eu não sei... Mas eu espero que não."

Ao horizonte, o céu começava a clarear em tons róseos. Ignorou os pássaros cantando, sentando-se num banco de uma praça, já não mais com a postura perfeita e invejável. Ninguém estava olhando, afinal. Odiava a perfeição que todos colocavam sobre si, odiava que pensassem que seu belo rosto era motivo o suficiente para lhe subestimar ou engrandecer, sem ao menos considerar seu intelecto. Suspirou e fechou os olhos, jogando a cabeça para trás, sentindo o vento frio da manhã lhe tocar.

– Pensei que a manhã fosse apenas de meu agrado. – ouviu-se numa voz calma e então abriu seus olhos rapidamente, olhando ao seu lado, surpreso. Loiro, estranhamente de olhos fechados, sentado à sua direita no banco, virado para a frente. - Nunca o vi por aqui.

– Bem... - ia responder, mas o que? Endireitou sua postura rapidamente, não deixaria que ninguém lhe visse daquela forma, demonstrando tanta dor. - É a primeira vez.

– Já parou para contabilizar quantos amigos perdemos ao longo do tempo? - a pequena frase fez com que o loiro recebesse um olhar duvidoso e desconfiado. - Nem ao menos percebemos isso. Perdemos sonhos, desistimos deles. Nos matamos para desvendar segredos, mas depois estes mesmos se tornam bobos. Guardamos segredos que depois ninguém gostaria de saber. Condenamos mentiras para depois sermos obrigados a cometer. Ah, e os defeitos? Quantos defeitos eram nossas melhores qualidades? Quantas pessoas que você amava hoje acredita que amam você?

– Não sei do que você fala. - desviou o assunto, incomodado pela lembrança da ferida recente feita por um romance mal acabado. Levantou-se.

– As dores não doem para sempre. - avisou, abrindo seus olhos, os relevando azuis como o céu. - Quantos amores jurados para sempre você conseguiu preservar? Não julgue os outros, afinal, quantas canções que você não cantava hoje assovia para sobreviver?

Encarou o homem, esperando que ele comentasse algo sobre sua aparência, mas este continuou seu discurso tão bem preparado que até parecia feito para seu momento.

– Sei que deve estar se perguntando quem sou eu, ou o que faço aqui... - ergueu seu rosto para o rapaz de pé. – Meu nome é Asmita. – sorriu. – Nada mais, nada menos.

– Albáfica... – apresentou-se, um tanto quanto atônito.

– Não sei quem lhe deixou, mas a pessoa deve ter perdido uma pessoa muito boa. - riu baixinho. - Eu não posso ver coisas materiais. Os deuses não me permitiram, e por isso vejo a vida de uma forma muito mais profunda do que todas as outras pessoas. Agora diga-me... Esta praça é tão bela quanto a aura que emana de você?

Abditae CausaeWhere stories live. Discover now