Atlantis

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Nos últimos anos as coisas não vinham dando muito certo para Demet.
Quem olhasse de fora, se não tivesse uma boa percepção, veria uma mulher bem sucedida e feliz. Mas não era o que ela sentia em seu íntimo.
Foram longos dois anos.
A sua carreira ia bem, era verdade.
E era por conta dela que Demet ainda não havia sucumbido. Ela se agarrou com unhas e dentes a sua vida profissional, que continuava em uma crescente.
Mas o mesmo não havia acontecido em sua vida pessoal...
Demet já ia fazer trinta anos e apesar da linda casa que havia conseguido comprar, da Mercedes na garagem e do closet cheio de roupas de grifes, Demet se sentia vazia.
Sim, havia os amigos. Uma porção deles.
Mas esses iam e vinham em sua vida.
Passavam por ela como em um desfile.
Saiam, riam, viajavam e depois...nada. Acabava, tão repentinamente como havia começado.

"...Now all the birds have fled, the hurt just leaves me scared
Losing everything I've ever known
It's all become too much, maybe I'm not built for love
If I knew that I could reach you, I would go..."

Demet começou a pensar que talvez ela não tivesse sido feita para se relacionar.
Suas amizades não davam certo.
Seus relacionamentos amorosos, então... Era uma sucessão de fracassos
Não que ela colocasse a culpa só em seu parceiro.
Não.
Demet percebeu que uma boa parcela de erros estava nela.
E ao olhar pelo seu histórico e sua história, não era de se admirar.
Abandonada pelo pai, uma família desgarrada e desfuncional...
Se apegar, se entregar, era como dar seu coração em uma bandeja de prata para ser retalhado e ser espezinhado.
Demet não aguentaria.
Mas se resguardar, como ela se resguardou, não evitou o sofrimento. Muito pelo contrário.
Demet pegou a xícara de café na mesa de centro e se recostou no sofá, lembrando de um passado que parecia tão distante, mas que ao mesmo tempo ainda doía e latejava como se tivesse acontecido no dia anterior.
Não era sempre que ela se permitia lembrar, mas correr desse seu passado era quase impossível.
Seu nome ainda era atrelado ao dele, mesmo depois de tudo. Mesmo após os anos que passaram.
Ela ainda era marcada em fotos que tinham ele e em muitas dessas, ele estava com ela.
Deus, como aquilo doía...
Mas apesar disso, Demet não lutou contra as lembranças que vinham em enxurradas.
Sua psicóloga a orientou a enfrentar seu passado, a  enfrentar seus sentimentos.
Só assim ela poderia evoluir e vencer seus bloqueios.
Sim... Ela havia entrado na terapia.
O medo da solidão a havia abalado. A tristeza havia virado sua companhia constante e, ao se dar conta de tudo o que poderia ter tido e deixou escapar por entre os dedos ...
A pontada no peito, uma já conhecida de Demet, apareceu de novo, junto com uma lágrima solitária que desceu.
Demet a enxugou e conduziu seus pensamentos para outro lugar.
Um lugar mais feliz.
Um lugar onde ela era mais feliz.

Demet já havia feito algumas séries, duas das quais ela foi protagonista. Mas ao aceitar fazer Erkenci Kuş, sua vida deu uma guinada inesperada.
Ela tinha outros planos. Outros desejos. Mas ao receber aquele roteiro... Ela quis fazer aquilo. Ela sentiu que deveria aceita-lo.
Mas nunca, jamais poderia ter imaginado que aquela série a projetaria mundialmente como aconteceu.
Muito menos que ali ela encontraria o amor.
Não qualquer amor, mas daqueles especiais, que não se acha todos os dias.
A quem estava querendo enganar? Daquele que só se encontra uma vez na vida...E olhe lá.

No início da série, Demet estava namorando. A paixão de início já não era a mesma, mas aquele seu namorado não teve chance alguma quando ela conheceu ele. Até mesmo pensar no nome ainda doía.

Demet deu um suspiro entrecortado.
Ela não iria chorar. Então, respirando fundo, segurou as lágrimas.

Ele entrou em sua vida como um furacão. Sem pedir licença. Sem questionar.
Uma verdadeira força da natureza.
Pura determinação.
Mas afinal, ele era assim.
Para o bem ou para o mal.

Quando Demet percebeu, já estava rendida por ele.
Ela ainda tentou negar. Tentou lutar. Mas foi inútil.
A determinação dele havia vencido e ele havia rompido todas as suas barreiras
Ou melhor dizendo, quase todas.

Tudo foi tão intenso e até repentino.
Demet sentiu medo. Aquele amor avassalador a assustava.
Era demais, e ela não podia deixar de pensar que poderia não dar certo e que ela iria se machucar.
Ele queria o mundo com ela. Em pouco tempo que estavam juntos ele falava em casar. Afinal, se eles se amavam, pra quê esperar? Ele dizia.
Mas Demet sempre pisava no freio e ponderava. Sempre pedia calma.
A série ainda estava acontecendo. Eles trabalhavam em horário insano. Os holofotes da mídia estavam sobre eles, milhares de fãs estavam atentos a cada passo que eles davam, a cada respiração.
E se não desse certo? Como eles ficariam? Como ela ficaria?
Demet já era gato escaldado no tocante aos ataques da mídia turca. Eles não eram gentis, para dizer o mínimo. Ela já havia sido massacrada e não queria passar por aquilo de novo.
Sim, já houvera um tempo que ela afrontava a mídia, mas aquilo não a levou a nada e com a maturidade, ela preferia recuar e só deixar passar. Apenas deixar passar.
Se ela só aguentasse os ataques, eles logo passariam. Mas se ela falasse, aquilo se arrastaria mais e mais.

Muito se falou quando ela começou o relacionamento com ele.
Demet até que afrontou a mídia ali. Mas ele estava do lado dela
Mas o relacionamento deles apenas cresceu, cresceu e cresceu.
Demet até se questionou se o coração dela iria comportar tanto amor. Era como se ele tivesse inflado impossivelmente.
Mas, contrariando a todas as leis da física, ele comportou
Foi muito difícil disfarçar todo aquele amor.
Bem... "Disfarçar" não era bem a palavra certa, pois logo todos perceberam e o relacionamento deles ficou óbvio.
Mas ela tentou.
E se refreou.
Não pensem que foi fácil. De forma alguma.
Demet queria sair e gritar para o mundo
Na verdade, era mais do que querer, era quase que uma necessidade de deixar tudo aquilo que ela sentia transbordar.
Mas ela não se permitiu isso e tentou manter o relacionamento deles o mais protegido possível.
Olhando em retrospectiva, esse pode ter sido um dos fatores que fez com que o relacionamento deles não desse certo. Ele queria se deixar transbordar, mas ela o impedia. Afinal, essa também era a intensão dela, proteger o relacionamento deles.
Ele queria viver aquele amor na totalidade, viver o momento sem muitas ponderações. Mas, ela o refreava.
Ele queria andar de mãos dadas e viajar sem se esconder. Mas, ela o impedia.
Ela o impedia e ele a respeitava.
Mas a que preço?
Cada uma dessas coisas foram se avolumando no relacionamento deles. Caixas empilhadas, uma sobre a outra.
Ressentimentos, frustrações, brigas...

"...You can't take back the things you said
So high above, I feel it coming down
She said in my heart and in my head
Tell me why this has to end..."

Havia vezes que eles discutiam e discordavam
E ela sempre vencia em deixar o relacionamento deles no escuro.
Mas será que vencia mesmo?
Hoje, ela via que não.
Dali não saiu nenhum vencedor.
Brechas foram abertas e logo os dois foram levados a uma trilha que terminaria em uma estrada bifurcada, onde cada um tomaria um caminho diferente, em linhas paralelas.
A estrada de ambos podia não ser mais a mesma, suas escolhas os levaram a isso, mas ainda assim, andavam lado a lado, mesmo à distância.
Há muito tempo, eles haviam sido interligados e por mais que Demet quisesse arrancar seu coração do peito e cortar essa linha que os unia, ela não era capaz.
Ela tentou. Muito. Mas quanto mais se debatia, mais era sugada pela areia movediça sentimental.

Mas ainda não era hora de pensar sobre isso. Sobre o fim.
Ainda não.

"...I can't save us, my Atlantis, we fall
We built this town on shaky ground
I can't save us, my Atlantis, oh no
We built it up to put it down..."






NA: Olá a todas (os), como vão? Há tempos que não venho postar um capítulo ... (Até recebeu não saber mais fazê-lo 🤣)
O primeiro capítulo ficou bem grande, então acabei dividindo em partes. Espero que tenham aproveitado a leitura!
Em breve venho com a segunda parte

MistakesWhere stories live. Discover now