7 Anos

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— Do que se lembra dessa fase?

— Não muito, alguns flashes que me vem à mente e algumas coisas que volte e meia é trazido à tona.

— Poderia dizer um pouco sobre !?

— Bem, minha mãe sempre trabalhou como doméstica, não tinha terminado o ensino fundamental e não conseguia emprego melhor.

— E como sua mãe conheceu a família com quem mora hoje?

— Ela alugou uma casa que ficava em um terreno cheio de outras casinhas, como kit net. Me lembro que na frente do terreno ficava a casa dos proprietários e as que eles alugavam no fundo. Ela saia para trabalhar e eu ficava em casa.

— Sozinha?

— Sim.

— O dia todo?

— Maior parte do dia.

— Como fazia quando sentia fome?

— Ela deixava alguma coisa pronta para mim, ou resto do jantar... Só que teve um dia que ela esqueceu e eu nunca me esqueço dessa cena. Eu chorava e chamava minha mãe, não me lembro bem porque, mas nesse dia não tinha nada para comer. Então o proprietário apareceu na pequena janela que dava da casa para o pátio. A casa que morávamos tinha um quarto, sala-cozinha e o banheiro, o tanquinho de lava roupa ficava no lado de fora. Enfim, na janela tinha um pedaço do vidro faltando, ai ele conversou comigo.

— Se lembra do nome dele?

— Sim, até hoje tenho uma foto dele com sua data de nascimento e morte, Arnaldo de Alencar.

— E disse por que chorava?

— Que eu estava com fome e um tempinho depois, ele apareceu com um daqueles potinhos de margarina, só que com arroz doce. Ele quebrou mais um pedaço da janela para conseguir passar o potinho para dentro.

— Arroz doce?

— A esposa dele tinha recém feito, então estava quentinho, peguei o pote e corri atrás de uma colher.

— Sua mãe não ficou braba por aceitar comida de um estranho?

— Não me lembro desse detalhe, porém me lembro de um pedaço da conversa que eles tiveram.

— Qual foi?

— Eu poderia sair para o pátio, tinha outras crianças que moravam por ali e eu poderia brincar.

— E ela?

— Deixou. Foi assim que conheci Jorge e Wilson que eram mais velhos que eu e Cesar.

— Que anos depois viraram seus "primos".

— Isso! Ela ia trabalhar e eu brincava no pátio com eles, na hora do lanche, tio Arnaldo nos mandava lavar as mãos e sentar na mesa de madeira que tinha na área dele para comer.

— E a esposa dele? Se lembra dela?

— Pouquíssimo, menos do que me lembro dele. Pelo que contam, ela não era uma pessoa fácil de lidar com a família, mas eu sinto que tivemos alguns instantes bons.

— Mas algo abalou vocês ali, não foi?

— Sim, a mãe perdeu o emprego.

— E o que aconteceu depois?

— Tio Arnaldo disse que o irmão mais novo dele, que morava em outro estado precisava de alguém para cuidar da casa dele. Fazer faxina e tudo mais, teria onde morar, comida e assim fomos para uma cidadezinha a uns trezentos quilômetros da capital em Mato Grosso.

— Estava me esquecendo, como se chama sua mãe?

— Janaína ou Jana, ela prefere ser chamada de Jana.

FragmentadaOnde histórias criam vida. Descubra agora