Nuvens de Chumbo

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O barulho da espada soou cristalino aos ouvidos do demônio. A lâmina fez um desenho no ar e parou a milímetros de seu pescoço, tão perigosamente perto que um movimento errado era tudo que bastaria para a pele se abrir.

— E-eu juro que não sei de nada — ele balbuciou.

— E o que você estava fazendo em um lugar como esse? — Hiei perguntou, a katana firme em sua mão.

— Nada, eu estava de passagem, eu juro! — A voz saiu quase chorosa — Não sabia que haviam outros youkais por aqui!

Hiei o encarou, estreitando os olhos como se refletisse se havia verdade ou não naquelas palavras. O demônio que havia encurralado era pequeno, corpo fino, energia tão baixa que chegava a ser ridícula. Hiei relaxou o punho, afastando a espada. O youkai soltou um respiro de alívio, deixando as pernas quase desmoronarem.

Como se tivesse mudado de ideia, no entanto, a katana de Hiei parou por um segundo e refez o trajeto até o demônio, dessa vez trespassando seu peito em um golpe rápido e limpo. A boca do youkai se cristalizou em um esgar, e seu corpo agonizante ainda se manteve parado por um instante ou dois antes de finalmente cair aos pés de Hiei. O sangue, agora jorrando em profusão, logo ensopou o chão de terra.

Kurama, olhando a cena, quase se adiantou para dizer ao companheiro que aquilo era desnecessário, mas se conteve. Por um lado, era melhor evitar testemunhas. Preferia que a situação não saísse do controle, chegasse até o Reikai e se transformasse em algo muito maior do que ele esperava que aquilo fosse.

— Nada? — ele perguntou.

— Só mais um inútil... — Hiei respondeu, guardando a espada.

Voltou sua atenção para o outro lado, onde o bosque acabava. Deu alguns passos, tomando o cuidado de não sair do meio das árvores que escondiam sua presença. Depois de um vasto gramado, um templo se erguia no fundo. Hiei cruzou os braços, cerrando os olhos e deixando o Jagan conduzir sua visão até lá.

Não encontrou nada fora do ordinário. Yukina parecia contente e serena. Nenhuma presença estranha rondava o lugar.

Kurama se aproximou, mas esperou o amigo terminar a vistoria habitual. Decidira acompanha-lo em parte por cortesia, em parte por genuína preocupação. Havia notado uma energia incomum vindo do leste durante uma viagem para o interior alguns dias atrás. Quando decidiu investigar, seus sentidos o guiaram até o templo de Genkai — onde Hiei já se encontrava, atento. Não disse nada na ocasião, mas nem fora preciso; o próprio Hiei farejava a mesma coisa.

Mais estranho, no entanto, do que a energia em si, era o fato de que, depois de dias de tocaia, absolutamente nada havia se revelado além dos esporádicos encontros com demônios inferiores usando a mata como ponte de acesso aos dois mundos.

— Ela está mais segura aqui do que no Makai... — Kurama comentou quando Hiei voltou a abrir os olhos.

Ele esperou alguns segundos, para depois bufar descontente.

— Guarde seus comentários para você — respondeu.

E sumiu da frente do amigo, procurando abrigo na copa alta das árvores, a indisposição evidente.

Kurama o deixou estar. Não ter encontrado nada que justificasse aquele incômodo era provavelmente o que mais irritava Hiei. Ele mesmo estava igualmente intrigado, apesar da leve suspeita que começava a se formar em sua cabeça. E assim ele permaneceu na mesma posição, mãos nos bolsos da calça, olhar aguçado na direção do templo, por longos minutos antes de, assim como Hiei, se dispersar.

(...)

Não costumava fazer visitas sem algum tipo de aviso antecipado, mas dessa vez, Kurama achou melhor não perder a oportunidade. Yukina o recebeu com o sorriso que sempre exibia quando algum de seus amigos aparecia pelas portas do templo, e o serviu chá sem se incomodar em interromper por um instante as tarefas do dia.

Nuvens de chumboWhere stories live. Discover now