Conto de taverna

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 "Em uma pequena vila afastada de capital do reino humano de Turmish, havia uma barda conhecida por toda a região por sua beleza e voz: a jovem Selise, uma moça de encantadores olhos negros que exibia-se com graça, dançando e cantando poesias e histórias de vários heróis que passaram pelo continente, enfeitiçando seu público com seus movimentos leves e precisos no alaúde, as mechas escuras de cabelo acompanhando seus passos.

'Mais uma!', gritava a plateia entusiasmada, jogando uma moeda para o palco enquanto as garçonetes transitavam entre as mesas enchendo canecas de cerveja.

Selise então se curvava em um agradecimento teatral, recolhia a oferta e continuava seu espetáculo; essa era sua rotina pelas várias vilas da região.


Não demorou a sua fama chegar à outros reinos e, assim, Selise começou a fazer grandes viagens, adquirindo novas experiências, aprendendo diversos instrumentos e histórias que, com o tempo, só aumentavam a fama e o acervo da trovadora.

Em uma de suas andanças, acabou em uma suntuosa cidade, onde se apresentou para diversos nobres, deleitando a corte com sua arte; Selise levava- os às lágrimas com suas peças trágicas de amor e heroísmo, ao êxtase com músicas mais alegres, tal era o poder de sua performance; assim, acabou por se tornar a trovadora oficial, responsável por entreter as festas promovidas pelo rei à sua corte.

Por sua beleza e talento, com o tempo, duques e barões passaram a desejar a companhia da barda, embora Selise recusasse seus avanços, sabia que era só questão de tempo antes que tivesse que sair do reino ou acabaria por ser condenada pelo ciúme das esposas dos tais nobres.


Já muito assustada com a insistência de seus pretendentes, a trovadora buscou auxílio do rei, informando sua situação para assim se mover para outra região sem ofender a gentileza da majestade que tanto lhe acolheu pelos meses passados.

'Entendo sua situação', dissera o rei. 'Temo que terei que fazer algo sobre isso, venha comigo'.

Acompanhando o nobre, na esperança de apoio, a jovem acabou por cair na armadilha do homem que tanto confiava. Encurralando-a em um quarto, o rei tentou violentá-la.

'Tornando-se minha concubina, não há nobre algum que ousara tocar em você'.

Então Selise gritou como nunca havia feito, a voz sedosa, que tanto verbalizara harmonias delicadas, produziu um som de sofrimento tal a traição de quem considerava benfeitor.

Então, a rainha surgiu de repente, encontrando a maldita cena. 'O rei... Ele...', tentava falar a pobre Selise, amedrontada pela situação.

'Essa barda imunda tentou me enfeitiçar', explicou o rei. 'É sempre assim: você oferece caridosamente moradia e alimentação para uma plebeia, mas não é o suficiente... Não, a plebe sempre quer mais, nunca está satisfeita'.

A rainha, por sua vez, olhava com indiferença para a situação. Obviamente, não era a primeira vez que encontrava seu marido com uma amante. 'Então essa plebeia tentou seduzir você para ter mais poder e riquezas...', completou ela.

'Certamente', alegou o rei, vestindo suas roupas. 'Se você não tivesse chegado a tempo, só os deuses sabem o que poderia ter ocorrido', beijando a esposa e deixando o lugar.

'Minha rainha...', implorava Selise, 'não foi isso que aconteceu'.

'Infelizmente, eu sei', respondeu ela, 'mas não há nada que eu possa fazer'. A trovadora caiu em prantos, sabia seu destino: a forca. 'Terei pena de ti, pobre moça desfortunada'.

Por intermédio da majestade, Selise foi banida do reino; todavia, tal situação manchou sua reputação, os reinos, que outrora acolheram a artista, agora rejeitavam sua presença, os nobres temerosos que a conhecida oportunista tentasse algo.

Sem outra saída, a trovadora acabou pelas favelas dos reinos em que conseguia entrar, onde tocava em tavernas e bares pequenos na esperança de conseguir alimento para o dia seguinte. Em um desses guetos, conheceu Sammal, um tiefling de pele arroxeada que parecia não se importar com o passado da artista.

Não demorou para casarem, e assim Selise deu à luz a um menino, que desde cedo mostrou interesse nas poesias e canções da mãe, que o ensinou a tocar. Todavia, mais tragédias viriam para a humilde família.

Em um ataque promovido por humanos locais, movidos pelo preconceito pela raça demoníaca, Sammal fora assassinado enquanto lutava para proteger seu filho. Assim, a trovadora se viu sozinha para criar a criança tiefling com o pouco dinheiro que conseguia em suas apresentações.


Anos se passaram e a criança, agora no começo da adolescência, resolvera viajar pelo mundo e seguir os passos da mãe: tornar suas músicas famosas no mundo todo, completar o que sua mãe foi impedida pelo capricho dos homens; e, assim, ele começou a viajar pelas vilas do continente, jurando que só voltaria para casa quando tivesse conquistado seu objetivo".


Ao terminar de contar a história, o bardo levantou-se, apoiando o seu alaúde no tamborete em que estava sentado; curvando o corpo em um agradecimento teatral, escondendo os olhos marejados que lhe ocorria sempre que contava essa passagem. O público, emocionado, então aplaudiu o artista.

— Obrigado, obrigado. — respondeu, acenando. — Esse é um belo conto de fadas passado entre as várias gerações de meu povo.

Então, o sujeito desceu do palco e se encaminhou ao balcão da taverna, em busca de uma caneca de cerveja.

— Que história linda. — comentou uma moça para ele.

— Não mais que a senhorita. — retrucou ele, fitando-a. — Que acha de me acompanhar durante uma ou duas canecas? — apontando para que o taverneiro enchesse outro copo.

— Não sei, não... — respondeu. — Não costumo beber com estranhos.

— Que indelicadeza minha. — retrucou ele. — Sou Ak'hord, prazer em conhece-la. — beijando a mão da dama, que respondeu com uma risadinha. — Agora não sou mais um desconhecido.

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⏰ Last updated: Mar 01, 2021 ⏰

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Ak'hord, o bardoWhere stories live. Discover now