Alcanço a porta do meu carro, quando estou prestes a entrar vejo pelo reflexo do vidro Rafael se aproximando, a postura confiante parece ter cedido lugar a uma timidez que não cabia no menino, cheio de si, que falou comigo de manhã. Não pedindo, mas comunicando sobre as aulas particulares.  

Apoio as costas na porta do carro, esperando a sua chegada. Seus cabelos castanhos estão bagunçados, como se tivesse passado as mãos entre os fios várias vezes. Os pequenos brincos nas suas orelhas refletiam os raios do sol, fazendo os dois pontinhos de luz se sobressaírem no meio dos seus fios escuros. 

Seus olhos estavam apertados por conta do sol, ocultando grande parte da íris castanha. Por conta do calor de outubro, ele veste a camiseta do uniforme, que deixa em evidência seus braços. Rafael não parece ser viciado em academia, mas seu corpo é bem feito com músculos na medida certa e veias saltadas no antebraço.  

Me preparando para protestar contra a sua perseguição, ele me corta antes mesmo que tenha a chance de dizer qualquer coisa.  

— Isso é uma BMW 535i? — pergunta empolgado. A timidez some rapidamente quando ele nota qual é o meu carro. 

— Sim.

— E é sua? — arqueio a sobrancelha.

Desde quando cheguei com o carro pela primeira vez no colégio escuto sempre as mesmas perguntas, a primeira é: Se é uma BMW 535i. E a segunda: Se o carro é meu. A maioria dos meninos fazem uma série de perguntas sobre potência, cavalos, quanto segundos de 0 a 100. E quando respondo que não ligo para isso, ficam putos e achando ruim por eu ter um carro desse e não ligar para isso.  

Sim, eu não ligo. Ele funcionando e cumprindo a sua função já é o suficiente.  

— Tá, foi uma pergunta idiota. É lógico que é sua. — Rafael começa a rodear o carro. Olhando e analisando tudo, como se nunca tivesse visto um carro na vida.  

— Terminou a inspeção? — Porra, pior que os caras que fazem vistoria. — Fala logo o que quer?  

— Você não me passou seu número ou disse quando vão ser as aulas. — Ele volta a ficar na minha frente, destacando nossa diferença de altura, meus 1,65 ficam em desvantagem perto dos seus mais de 1,80.  

Faço um gesto com a mão pedindo seu celular, ele desbloqueia e clica no ícone de contatos. Salvo meu número e devolvo o celular.  

— Valeu! — ele agradece, só que ao invés de ir embora ele continua parado na minha frente.

— Vai ficar parado aí até quando?  

— Você pode me dar uma carona, por favor? — pede sem graça.  

Puta. Que. Pariu.

— Quer um boquete também? Porra, tu é folgado demais!  

Rafael fica chocado com minha última fala, mas foda-se. Já me INFORMOU sobre as aulas e agora quer carona, não pode oferecer a mão que a pessoa quer levar o corpo todo. 

— Meu pai ficou de vir me buscar, mas ficou preso no trabalho e não vai conseguir vir. — Desconfortável, ele troca os pesos das pernas.  

— Por que não vai embora de ônibus? — Não é que eu não queira dar a carona, mas com quase dezoito anos, espera-se que a habilidade de se locomover de transporte público tenha sido adquirido. Pura questão de sobrevivência.  

— Não sei andar de ônibus, tá. Só tô pedindo porque os meus amigos já foram embora, enquanto eu esperava meu pai. E a minha mãe não gosta de uber.  

É a minha vez de ficar chocada. Com quase 18 anos os pais o levavam a todos os lugares? Credo!

Suspiro.

— Entra! — destravo a porta, Rafael dá a volta pela frente do carro e senta-se no banco do passageiro.  

Tomo uma respiração profunda e entro no carro.

                               *            

A viagem segue num silêncio desconfortável, nenhum de nós sabe como iniciar uma conversa, afinal não temos intimidade nem conhecimento profundo sobre o outro. Os anos de ensino médio geraram apenas um conhecimento mínimo, e agora no último ano todas as conversas giram entorno do Enem e outros vestibulares. As conversas na sala de aula, nas festas de família e com desconhecidos, dizer que está para terminar o colégio é o mesmo que pedir uma entrevista, todos querem saber o que vai fazer, onde vai fazer e outros questionamentos que se enquadram no assunto. E sendo uma quinta-feira e estando com uma dor de cabeça filha da puta, minha última vontade é ter mais uma conversa superficial sobre isso.  

Por isso, ligo o rádio, a playlist conectada começa a rodar, o silêncio desconfortável é substituído pelos primeiros acordes de "You Give Love A Bad Name" do Bon Jovi. A voz de Jon preenche o espaço, mais animada cantarolo e bato os dedos no volante no ritmo da música. 

Ao longo do trajeto, Rafael dá pequenos toques na minha perna para alertar a mudança de direção, as instruções nos levam a uma rua sem saída cheia de casas bonitas. Estaciono na frente da sua casa. Uma casa térrea branca, não tenha uma boa visão da casa por causa do portão alto que oculta quase toda a fachada, deixando apenas um pedaço do que parece ser um bonito jardim à vista.  

Com a mão na maçaneta da porta, ele vira na minha direção. Sem saber como se despir, dar um adeus rápido ou inclinar-se dar um beijo no meu rosto. Cansada de esperar o seu debate interno, resolvo seu dilema por nós dois. Me aproximo e beijo sua bochecha esquerda.  

— Tchau! — me despeço. — Manda uma mensagem mais tarde para combinarmos as aulas. 

Rafael saí do carro, aceno para ele de dentro do carro e espero que entre para que possa ir embora. Assim que o portão é fechado, acelero, indo - finalmente- para casa.

A física entre nós [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now