Pena Negra

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Um...dois...três...quatro.

Um...dois...três...quatro.

O barulho da sapatilha raspando o assoalho conforme Sojung fazia às piruetas podiam ser ouvidos do lado de fora da sala de ensaio, assim como sua respiração ofegante e expressão de cansaço denunciando às horas intensas de cansaço.

Cinco...seis...sete...oito.

Cinco...seis...sete...oito.

Sojung. Venha aqui.

A garota parou de rodopiar no instante que ouviu a voz vir de sua mochila perto do espelho, e sabendo muito bem o que era, ignorou voltando para o ensaio.

Não me ignore Sojung, sabe que não conseguirá por muito tempo. Você precisa de mim.

— Não preciso, não preciso — murmurou consigo mesma — Eu sou forte, sei que sou.

Não, não é. Se não fosse por mim, nunca teria passado no teste, nunca se tornaria Odette e Odile. Sabe disso.

Sojung abaixou a cabeça tampando os ouvidos conforme a voz soava martelando sua mente.

— NÃO! EU NÃO PRECISO DE VOCÊ! — gritou pro alto.

A voz macabra riu fazendo os pêlos da menina se arrepiarem.

Garota tola. Mais cedo ou mais tarde virá para mim, é questão de esperar o momento certo e eu estarei aqui. Sempre estarei.

Sojung ignorou a voz e voltou a ensaiar, ela não precisava de ninguém para ser bem sucedida.

Especificamente de uma sapatilha.

[...]

O grande dia havia chegado, o teatro estava lotado e todos esperavam Sojung sair do camarim para iniciar o ato que tanto havia se esforçado nos ensaios.

Era hora do cisne negro brilhar.

— Cadê? Cadê? — a garota murmurava procurando suas sapatilhas pretas que combinavam com o tutu escuro.

Sojung.

— Não, hoje não — resmungou procurando o objeto mas sem sucesso.

Você precisa de mim e não dá para negar isso, quanto mais entra em estado de negação, pior ficará sua imagem no palco. 

Sojung olhou para a mochila no canto e pegou a fonte da voz, uma caixa velha de madeira negra que havia obtido em uma venda de garagem e continha um par de sapatilhas negras novas que cabiam sempre magicamente nos seus pés.

A primeira vez que usou os sapatos foi na audição quando suas velhas sapatilhas haviam arrebentado as fitas, ela pensou que não haveria mal tentar com sua nova aquisição mas estava errada, ali foi o começo de seu tormento.

Dia após dia a sapatilha lhe chamava, oferecia coisas tentadoras para a garota que negava o máximo possível.

Até aquele momento.

Sojung colocou as sapatilhas e assim que se levantou, sentiu a magia do objeto dominar seu corpo fazendo com que se curvasse para trás e fechasse os olhos.

— Sojung, menos de dois minutos! — gritou um staff atrás da porta do camarim da bailarina.

A garota abriu os olhos tentando se acostumar com as luzes, tudo estava mais claro e mais nítido, e ao encarar seu reflexo no espelho viu a mudança nítida.

Seus olhos estavam avermelhados como os de um cisne negro.

Sabia que não resistiria a mim Sojung, agora é a minha vez de brilhar e sua vez de ficar como substituta — Sojung sorriu sadicamente para si mesma.

Atrás das coxias, a bailarina se preparava para o solo e sentiu as mãos de uma das bailarinas que fazia a dança dos pequenos cisnes em seu braço.

— Sojung, você está bem?

— Sim. Nunca estive melhor — respondeu calmamente.

As cortinas se abriram e Sojung foi para sua posição no palco dançando o solo, que tanto treinou, com perfeição. A plateia, assim como seus colegas da academia, olhavam a dançaria encantados, quase que hipnotizados com seus movimentos e feições dignas de um cisne negro.

Assim que terminou o solo, foi aplaudida de pé por todo o público que jogava rosas no palco. A bailarina agradeceu com um sorriso sentindo-se viva com aquele apoio, mas não era Sojung que estava no controle de seu corpo e nem de sua mente.

Ali, sob os aplausos de todos, a magia da sapatilha completava o seu ritual. Sem que ninguém soubesse ou desconfiasse, o corpo de Sojung estava totalmente tomado pela magia negra da sapatilha.

E aquela foi sua primeira morte.

Walpurgis Night - GFriendWhere stories live. Discover now