O Natal de 1990

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Naquele dia ensolarado, Antônio aguardava estafado a longa fila que cumpria para puder pegar o autocarro no largo das escolas, ali, perto do Primeiro De Maio.

— Está um sol dos diabos!

Resmungou enquanto limpava o suor do rosto com o lenço de bolso que transportava na sua mão direita. Esticou o pescoço para ver em que posição estava e ficou desesperado quando apercebeu-se que a frente tinha aproximadamente duzentas pessoas. "Se não dependesse de quatrocentos kwanzas para vir a cidade e depois regressar ao Zango não iria me submeter a esse transtorno todo" pensou.

Perto de si, havia zungeiras fazendo o comércio de alguns víveres como "paracucas" , o famoso "micate", gelado de múcua e muitas outras coisas comestíveis que seduziam o seu estômago. Observou do seu lado direito uma senhora que aparentava não ter mais de quarenta anos, colocar uma pernada de frango graúda na frigideira cheia de olho já bastante queimado, o cheiro que aquela junção produzia era muito tentador, com água na boca, Antônio jurou no seu íntimo que se tivesse dinheiro suficiente compraria uma boa sandes para saciar a fome.

— Jovem presta atenção na fila, vais acabar por perder o lugar se continuares distraído com comida! — Bradou furioso o senhor que estava na reta guarda.

Quando Antônio deu por si, a fila já tinha andado um bom bocado, rapidamente colocou a mochila nas costas e seguiu marcha à frente.

Para o seu contentamento chegaram cinco "wawas" de uma só vez, a esperança de estar em casa cedo reacendeu, com passos de camaleão a fila andava com forme a regra, mas para a sua desgraça um grupo de pessoas que não estavam na fila tentaram adentra-lá forçadamente o que gerou grande tumulto entre os cidadãos, os polícias viram-se obrigados a intervir para apaziguar a situação. A confusão provocou a ida de três autocarros.

— Agora nós somos os culpados?!
— Os que causaram a desordem se calhar estão nos primeiros lugares agora.

Bradavam e praguejavam algumas pessoas, Antônio permanecia calado, a fome já lhe causara estresse suficiente, também não tinha muito que reclamar, já estava bem a frente, encontrava-se ao pé da parede lateral da UNIÃO DOS ESCRITORES ANGOLANOS.

— A pessoa que vende jornal na rua é chamado de ardina, sabias disso Gustavo? — perguntou um rapaz.

— Eu não sei nada disso Mafuta, onde vou encontrar então essa resposta?

— No dicionário, doido! Lá você descobre muitas palavras novas, o meu já está bem velho e neste natal,  pedi um novo ao meu pai como presente.

Antônio escutava atentamente a explicação que aquele jovem dava ao seu amigo, ficou maravilhado ao descobrir tal coisa, era uma questão que o atormentava a um tempo duradouro. Reparou também que estavam em véspera de natal e não era notório ainda os enfeites de natal que habitualmente se verifica nessa época, em sua casa nem se falava muito dessa festa. "Nos últimos anos os festejos têm vindo a diminuir drasticamente" meditou.

Depois de um longo período de espera, os "wawas" começaram a vir de maneira sequencial, um seguido do outro e a marcha ocorreu com maior celeridade. Durante o percurso, Antônio não viu sequer uma zona adornada com cores natalícias, nenhuma árvore artificial, nenhum painel luminoso indicava a aproximação do natal mesmo faltando apenas um dia.

— Aiué! Às coisas eram muito diferentes no natal de 1990! — Lamentava um mais velho em pleno autocarro. — Aí não nos faltava nada...

— É verdade papá, antes o peixe bacalhau era bwé — acrescentou uma zungeira que estava com os lábios secos e pensativa.

"Como era então esse natal que os velhotes sempre citavam em seus discursos?" Antônio indagava-se no seu íntimo.

Ouviu a mesma frase a semana toda, daí o descontentamento quanto ao assunto. Às dezasseis horas o autocarro parou na Ponte Amarela, Antônio desceu com muita pressa para não ser trancado dentro do táxi, os motoristas dos carros grandes não possuíam lá muita paciência e não esperavam ninguém. Durante a caminhada até a paragem dos táxis que vão ao Zango, Antônio avistou o CANDANDO, olhou o hipermercado de baixo para cima e sentiu um ligeiro formigueiro no coração ao ver que o mesmo estava recheado de Assecorios natalícios.

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⏰ Última atualização: Dec 25, 2020 ⏰

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