Capítulo 16

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AVISO: O CAPÍTULO A SEGUIR CONTÉM GATILHO PARA PESSOAS QUE SOFREM DE DEPRESSÃO. COMO AUTORAS RESPONSÁVEIS GOSTARÍAMOS DE REPASSAR QUE VOCÊS NÃO ESTÃO SOZINHOS. PARA O CASO DE RECAÍDAS ENTREM EM CONTATO COM O CVV (CENTRO DE VALORIZAÇÃO À VIDA), DISQUEM 188. ESTAMOS TORCENDO POR VOCÊS. TUDO PASSA

Enfim o soltei do abraço. Seus olhos ainda mais claros, meu rosto umedecido. Por um minuto o meu coração parou. Era chegada a minha hora. Noah disse aos guardas que ele estava sentindo muita dor e que eu colheria arnica para ele. Os guardas apenas me deram passagem e eu tentei sair de lá o mais rápido possível. Com um dos cavalos reais. Ele era caramelo, com manchas. Seu rabo e crina também tinham a coloração mista.

Cavalguei por toda a madrugada até chegar à estrada que Warny e eu tivemos nossa primeira missão. Neste momento eu desci do cavalo. Escutei uma voz me chamando. Olhei ao redor e não havia ninguém. "Serena." A voz me chamava repetidas vezes. Saquei a pequena adaga que havia levado escondida ao castelo. Porém, eu estava sozinha, não havia nenhum outro ser além do cavalo ao me fazer companhia. Segurei as rédeas, desci do cavalo e caminhei lentamente pela estrada. Assustei-me ao ouvir o uivar dos lobos. Observei a lua, ela estava minguante. E minhas lembranças voltaram. Pensei em Warny, pensei em minha filha, pensei no sonho com ambas. "Cuidarei dela como se fosse minha. Por toda a eternidade." As falas de Warny mais uma vez ecoavam em minha mente. Ela dizia que um dia eu teria filhos e que ela os ensinaria tudo de errado. Tudo apenas para me provocar. Eu sempre dizia que não queria ter filhos. Warny retrucava dizendo que ela nunca teria filhos, mas que sabia que eu teria. Ela sempre me conheceu melhor do que eu mesma. E pela Deusa! Por que eu estou chorando agora? Parei para respirar fundo.

Mamãe, seja lá quem você for, como pôde me deixar? Sua própria filha. Eu sofro pela minha que sequer vi nascer, mas que gostaria. Eu nunca quis ser mãe, nunca soube ser mãe, nunca tive uma mãe. Ash foi um bom pai, as irmãs que cuidavam de mim no orfanato eram muito caridosas. Contudo, não posso falar que conheço o imensurável amor de mãe. Ash era presente na medida do possível e a minha puberdade não foi nada fácil. Eu poderia ter dado à minha filha tudo aquilo que sinto que não recebi: Amor. Eu amo o meu pai e sei que ele me ama. Sou eternamente grata. Foi um resgate. Todavia, às vezes me questiono se ele me considera mais importante do que toda a revolução dele. Acho que não, fui convencida a casar em prol de "o coletivo é mais importante do que o individual." Talvez eu seja dramática ou egoísta. No entanto, pergunto-me se uma mãe permitiria isso. Não. Nem mesmo Anastácia foi a favor de seu filho casar-se forçadamente. Dhrumond e Ash lutam por causas distintas, mas têm o mesmo objetivo: poder. Kalel e eu somos apenas piões em seus jogos. A rainha protege o rei. Uma das principais regras do xadrez. Helena a conheceu cedo, ou tarde demais.

O amor. Não há uma definição concreta do que ele possa ser. É difícil afirmar com toda a certeza de que é isso que você está sentindo. Nos livros, as pessoas simplesmente sabem, existe um amor à primeira vista. Uma paixão platônica que arde em chamas, mas eu não considero isso como amor. Quem me garante que isso é real? Eu amava a Warny, ela sempre esteve ao meu lado, deu a vida por mim. Poderia facilmente expor meu plano e se salvar, mas isso custaria meu reinado. Ela deu sua vida por mim, ela me amou. Posso alegar que faria o mesmo por ela. Já minha filha, nunca a conheci, essa chance foi roubada de mim. E, a dor física que senti ao tê-la perdido nem se compara com a tormenta de pensamentos que pairam sobre ela. Em como seria seu rosto, cabelo e olhos. Quais seriam suas primeiras palavras e se gostaria de ler e lutar com espadas.

Chego ao fim da estrada, no ponto onde War e eu fizemos o assalto. Sei pelo solitário vidoeiro branco que se destacava em meios as demais árvores. Agora nenhuma delas tinha folhas, estavam cobertas por neve. Fim da missão, fim da estrada, fim da Warny, fim da minha gestação. E talvez o fim do meu noivado. Com a adaga ainda em mãos, vejo meu reflexo na límpida lâmina prateada. Porventura, este também possa ser o meu fim. Bastava apenas um corte rápido e profundo em minha jugular e fim. Um conto de fadas sem os "felizes para sempre." Pressionei a lâmina contra meu pescoço, fechei meus olhos e comecei a recordar de tudo que vivi até ali. Cada alegria e tristeza, percebi que em meio a toda aquela infelicidade, o mais simples me deixava contente. Agora não mais. Eu faria o corte, até que a morte de Warny voltou a mim. Se eu me matasse agora, ela teria morrido em vão. Kyrus e sua família jamais saberiam o que aconteceu com ela. Noah se sentiria culpado por mais uma morte e Kalel... meu príncipe rebelde, dos seus pesadelos, não quero ser eu a responsável por torná-los reais.

Golpe de Estado (Coroa de Vênus - Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora