Capítulo 1

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 Eu estava um tanto nervosa quando me sentei à carruagem, certamente, um casamento arranjado não era algo fácil de se lidar, mas isso não era o que ocupava minha mente. Cresci em um orfanato, só fui adotada quando já estava prestes a completar 15 anos. Durante todos os anos que estive lá, posso afirmar que só tive um amigo, Noah, meu primeiro amor, mas ele foi adotado alguns anos antes de mim e, naquele meio tempo, eu fiquei completamente sozinha.

É incrível como uma pessoa pode fazer uma enorme diferença na vida da outra, como faz mudar a essência de alguém do dia para noite, como um vazio que foi preenchido. Eu não comia direito, não tinha animação para absolutamente nada, isso não só porque ele se foi, mas também porque o reino parecia estar em colapso. Os impostos haviam aumentado e o rei já não ajudava mais o lar para crianças. Nos tornamos invisíveis. Eu ajudava as irmãs com a limpeza, cantava com elas e depois do ocorrido, simplesmente parei e, até hoje, não canto mais. Meus livros eram meu refúgio, embora lá tivesse poucos, posso afirmar que li todos que havia na época, desde romances a livros de terror, passando até mesmo por livros religiosos e sobre chás medicinais.

Um dia, chegou um homem alto, forte, algo por volta de 35 anos. Ele tinha cabelos loiros escuros, queixo marcante e, no braço direito, ostentava uma marca que parecia que ele mesmo tinha feito: uma coroa quebrada, um dos símbolos dos lesa majestade. Hoje eu tenho o mesmo símbolo também em meu antebraço esquerdo. Eles têm um outro símbolo: uma marca de espada quebrada. Ele era um rebelde e eu acabei ficando assustada na época. Eu era a criança mais velha do orfanato, já não tinha mais esperança para a minha adoção, por conta disso, até estava considerando virar devota de Diana. Eu lembro que era um dia quente, o que é raro em Vênus, geralmente é bem frio.

Eu tinha acabado de lavar o cabelo, logo o prendi em um rabo de cavalo alto, ele pingava, deixando minhas costas úmidas. Foi quando notei que o homem estava sorrindo para mim de um modo gentil. Irmã Lucinda havia pedido para que eu buscasse chá para o estranho, esse era o motivo de toda a minha pressa com o cabelo. Então me virei e fui pegar o bule e algumas xícaras. Aquele dia foi estranho, geralmente eu servia o chá e me retirava, mas me pediram para ficar, foi assim que soube que o nome do senhor era Ash, e ele não era um rebelde qualquer, ele era o líder de todo o movimento. Depois que ele afirmou que pretendia ajudar o orfanato fiquei mais aliviada e foi incrível que, com o desenrolar da conversa, meu medo se transformou em uma enorme curiosidade, sempre fui curiosa. Quando Ash apareceu, eu queria entender mais sobre política, sobre como os impostos funcionavam, o que acontecia fora daqueles portões, o líder certamente me cativou. Fiz várias perguntas e, apesar da irmã ter me dado alguns olhares de reprovação, Ash sempre me respondia de forma animada. Ele falava sobre o que amava, dava para sentir em seu tom de voz. Foi naquele dia que ele se tornou meu pai.

Eu lia, pesquisava, perguntava e debatia política. Poderia dizer com tranquilidade que me encontro entre as pessoas que mais entendem sobre o assunto em todo o reino. Sempre fui contra o rei, bem, desde que eu formei uma opinião sobre ele. Meu pai sempre me contava sobre as coisas horríveis que ele havia feito. Estávamos ansiosos para, enfim, declarar guerra, pois os recursos de sobrevivência para a população já estavam abaixo do mínimo necessário. Eu odiava a realeza com todas as minhas forças, mas então o rei quis estender a bandeira branca. Eu sabia que aquilo não fazia parte do perfil dele, foi aí que ele fez a sua proposta. Ele enviou uma carta diretamente ao meu pai, propondo dar à população todos os suprimentos necessários, mas com uma condição: eu deveria me casar com seu filho mais velho, Kalel Rousseau. Dhrumond declarou que, dessa forma, unindo a nobreza à rebeldia, poderia agradar tanto a burguesia, quanto ao povo menos favorecido. Papai surtou. Ele achava a ideia absurda, mas acabou me pedindo para fazer aquilo. Era óbvio que o rei tinha um plano por trás daquilo tudo. Se nós negássemos a proposta, então a culpa da falta de suprimentos seria nossa, já que não estávamos dispostos a sacrificar uma pessoa em troca de satisfazer milhares de outras, o que provaria que somos exatamente iguais a eles. Entretanto, com o meu aceite, ele teria uma moeda de troca, ele teria a minha imagem ao lado de toda a realeza. Era o cenário perfeito para promover seu controle até mesmo sobre aqueles que o queriam fora. Eu sou a única família que o líder dos lesa majestade tem, a única pessoa que detém de todo seu amor incondicional, então, se ele tentasse algo, eu seria morta, é claro. Eu viveria constantemente ameaçada.

Contudo, eu não vejo problemas em me casar com um homem que mal conheço, afinal, nunca amei nenhum dos homens com quem já me relacionei, tudo acontecia sem sentimentos, então não seria diferente dessa vez. Acho melhor assim, sem apego, sem ressentimentos, sou uma infiltrada nesse palácio, mas eu fui convidada pelo próprio rei, entrarei pela porta da frente, serei bem recebida e não esconderei quem sou, vou sorrir e acenar, dançar conforme a música. Eu me fechei para o amor, mas me guardei para o poder e até o final da dança, a herdeira do trono será eu.

A carruagem para e o chofer abre a porta, sorrio em agradecimento, mas ele não diz uma só palavra. Os portões se abrem e posso ver a família real, cada um está sentado em seu devido trono, todos com um ar de superioridade. A rainha, talvez, parecia ser a que mais se esforçava para parecer nobre, pelo visto, a imagem de amante nunca tenha se apagado afinal. Ela era uma mulher de cabelos de um loiro claro levemente dourado, olhos cor de mel, lábios e um nariz fino e empinado. A princesa jade era sua cópia fiel, apesar de não herdar os cachos abertos, algo mais como ondas douradas, ela parecia entediada, parecia querer estar em outro lugar, eu a entendia bem. O rei sorria abertamente, suas linhas de expressão revelavam o quanto já trabalhou no reino, mesmo que não administre suas riquezas muito bem, Vênus, ainda assim, era muito influente. Por fim, reparei no príncipe, sorri para ele e tentei parecer o mais convincente possível, ele deu um sorriso triste, possivelmente não concordava com todo aquele teatro.

— Saúdo a família real, Lady Serena Faure, representante rebelde e futura esposa de Vossa Alteza Real: príncipe Kalel Rousseau de Vênus. — Anunciou um dos criados. Só então pude sair da entrada e me aproximar mais do rei. Fiz uma reverência e o rei se levantou.

— Serena, não vai se ajoelhar para seu rei e futuro sogro? — Perguntou com um ar de superioridade, não tirou o sorriso do rosto por um só segundo.

— Com todo respeito, meu sogro, mas creio eu que uma rainha, por mais que futura, nunca se ajoelhe. — Disse firme. Porém, sem ser arrogante. O sorriso debochado se desfez e formou-se um sorriso genuíno de canto de boca.

— Em parte, ganhou meu respeito. — Sua voz firme poderia estremecer qualquer um, mas eu não era qualquer uma.

— Não vou precisar dele quando seu filho me levar ao trono. — Sorri, ele sorriu de volta.

— Bem vinda a família. — Senti uma pontada de alegria em sua voz. Ele abriu seus braços enquanto dizia. — Já é como uma filha para mim. — Não perdi a oportunidade de me aproximar dele.

— Fico feliz em saber — faço uma pausa, sorrio forçada. —, papai. — Ele me abraça.

E assim, pouco a pouco, conquisto a confiança dele, sem qualquer vestígio de falsidade, sem mentiras, mas também, sem verdades. O abraço foi rápido, pude ver que Anastácia não se agradou com isso, Jade continuava indiferente. Kalel se levantou, caminhou até mim e enfim disse alguma coisa.

— Posso apresentar o palácio à minha noiva? — Perguntou em um tom baixo enquanto me estendia o braço.

— Adoraria. — E pela primeira vez, falei de modo doce, peguei seu braço e então começou o meu tour.

Golpe de Estado (Coroa de Vênus - Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora