Capítulo 4

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Capítulo quatro

Cornetas soavam nas primeiras horas da manhã, anunciando os preparativos para a Canção das Espadas. Antes da alvorada, os templos já tinham sido abertos aos devotos dos deuses.

Tolien acordou cedo. Não precisou sair, pois, em motivo de festejos, não havia trabalho no campo. Tomou o desjejum e foi conferir as decorações das casas da fazenda. Algumas estavam enfeitadas com guirlandas de flores brancas em homenagem à Mara, a Mãe da Terra; outras por oferendas a Galván, o Senhor dos Campos, para que se obtivessem boas colheitas.

Desceu em direção ao leito de Roma, um lago de água claras e límpidas que corta todo o Oeste para desaguar no mar de Morza. Uma espessa neblina o encobria como o véu de uma noiva. O jovem gostava do leito para meditar. Assim que a névoa se dissipou e o leito ajudou a clarear o campo, deitado na campina, o sonhador se espreguiçou. Trazia consigo uma espada de madeira feita por ele mesmo, para treinar nas horas vagas.

— Tolien!

Ele virou o corpo, abrindo um amplo sorriso.

— Rogardes, meu primo!

Tolien se levantou e abraçou o primo. Havia se passado seis meses desde o último encontro. Naquela época, Rogardes estava no início dos 13 anos. O rapaz se lembrava do primo com os cabelos louros encaracolados, diferentes daquele momento, em que exibia a cabeça raspada, como todo jovem em treinamento.

Trajava uma armadura leve apropriada para os treinos, um gibão de couro cobrindo um peitoral simples de ferro, braçadeiras de aço, botas de couro e cano curto e uma espada de cerâmica na cintura.

— Minha tia falou que você sumiu antes dos primeiros raios da manhã chegarem! — Falou Rogardes, fitando o primo com os olhos castanhos claros. — Sabíamos que estava perdido no leito de Roma, como sempre faz.

Ao lado de Rogardes encontrava-se uma bela jovem de cabelos avermelhados. Cumprimentaram-se.

— Olá, Tolien! — Ela exclamou com um sorriso que, para ele, parecia o nascer do sol de tão brilhante.

— Oi, Samira! — Respondeu, abraçando-a.

Samira, diferentemente de Rogardes, trajava uma túnica branca de mangas longas. No peito, trazia o brasão azulado que retratava o encontro entre o sol e a lua, símbolo de todos os conjuradores do reino. Possuía a mesma idade do jovem guerreiro, porém sua expressão facial transmitia seriedade em traços femininos bem marcados, como os de uma amazona de terras livres.

— Estão de folga? E os treinos? — Perguntou o jovem admirado.

— Ganhamos os cinco dias de festividades para descansar. — Respondeu Samira. — Uma folga merecida, após treinarmos ininterruptamente por um ano.

O vento sul cortou o leito naquele momento, fazendo os fios vermelhos que desciam até o ombro da jovem dançarem, jogando as mechas rubras em seu rosto delicado.

— No que diz respeito aos treinos, esse ano foi puxado. — Continuou o aprendiz de guerreiro, admirando a postura de Samira ao tirar os cabelos do rosto. — A cada ano apenas piora, sorte a sua que não precisa passar por isso.

— Adoraria carregar esse fardo. — Retrucou Tolien, com os olhos sonhadores.

— Ainda sonha com aventuras, primo? — Indagou o rapaz, que sempre o acompanhou em suas fantasias, nas inúmeras aventuras que protagonizava ao redor do reino. — E o livro de aventuras, já escreveu algo nele?

— Não escrevi nada, ainda! Não sei por onde começar.

O alarido dos fogos de artifícios e das cornetas espantou os pássaros que repousavam nas árvores do leito.

— Tomei minha decisão em relação à escola de bardos nas terras do Sul. — Disse Tolien, encolhendo-se. — Estou disposto a cursar.

— Não desistiu dessa ideia! — Comentou Samira. — Seus pais sabem dos seus desejos?

— Minha doce mãe, sim. — Meu pai não, e, com certeza, ele ficará uma fera comigo quando souber.

— Esteja certo. — Emendou o primo. — Bardos são estranhos. A maioria é mentirosa e enganadora, além de não saber o que canta!

— Nem todos. — Defendeu-se. — Poderei contar minhas melhores histórias, viajar de um canto a outro e aprender algo sobre armas e combates.

— Lembro-me de que você também desejava a vida de bardo... — Recordou Samira, franzindo o cenho.

— Falou bem: foi algo que desejava. — Declarou, suspirando. — Tempo passado.

— Preciso mudar de vida, espero que me entendam. — Não quero passar o resto da existência cultivando campos, quando o que mais desejo é conhecer as terras do grande reino.

— Enquanto alguns lutam contra o destino traçado, outros querem abraçá-lo. —Refletiu a bela garota.

— Um dia, meu primo... — Respondeu o jovem aventureiro, com aquele olhar esperançoso que Rogardes e Samira conheciam bem.

Com a breve pausa na conversa, o aprendiz fitou o parente e amigo sonhador. Não queria que ele se aventurasse sozinho pelas terras do reino que, segundo comentários, eram traiçoeiras. Sabia que os próximos cinco dias seriam o prazo para convencê-lo a não cometer uma besteira.

— Mostre-me o que aprendeu em minha ausência, primo! — Desafiou, brandindo a espada, como sempre faziam em suas brincadeiras.

— Desde o nosso último encontro, não mais deixei de treinar. — Sorriu.

Tolien e Rogardes iniciaram uma divertida luta de espadas. Samira apenas os observava. Entretida, começou a relembrar os tempos de convivência entre os três. Os dois garotos foram os únicos amigos que fizera, pois conjuradores eram adorados nas fileiras aliadas e ignorados em geral pela sociedade por um único motivo: possuir habilidades incomuns.

— Neste ano, nosso reino receberá muitas visitas. — Afirmou, desligando-se do passado. — Uma delas é do povo do Norte.

— Os bárbaros. — Replicou Tolien. — Povo guerreiro e leal.

— Ouvi dizer que Aduzam, o imortal, está no reino à procura de um aprendiz nas artes mágicas. — Comentou Rogardes. — Quem quer saber de magia hoje?

— Os elfos. — Rebateu a garota. — Amantes da magia, eles a mantêm viva.

O rapaz permaneceu defendendo-se dos ataques, indiferente à menção da magia.

— Ouvi boatos de que Kerza, o andarilho, estará presente.

— Kerza virá a Menestron.

Tolien descuidou-se e o seu adversário aproveitou para desarmá-lo, de modo que sua espada caiu à beira d'agua. O primo sorriu, convicto da admiração causada. Quando crianças, os jovens admiravam lendas como o Guerreiro Perdido, o Guerreiro das Estradas e o Espadachim Andarilho. Eram tantos nomes, que inventavam suas próprias histórias, repletas de detalhes.

— Pelo visto, nosso reino estará cheio de visitas importantes! — Disse Rogardes, guardando a espada na bainha com leveza — O que acha de comermos as delicias que sua mãe está preparando? Estou com saudade da torta de ervilhas e das batatas assadas.


Império dos GuerreirosWhere stories live. Discover now