Capítulo 15

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GERARD WAY


6 dias para o casamento.

Depois do episódio com Scarlett, eu não conseguia mais olhar para Lindsay da mesma forma e, de certo, isso foi revelador. Conforme as horas se arrastaram naquela noite, eu tive ainda mais certeza que Scar seria exatamente aquilo que seu apelido significava: uma cicatriz. Aquelas cicatrizes que cobrem uma parte do corpo escondida, uma marca de nascença que nunca vai sair da pele, mas que nem por isso é ruim.
Me virei tanto na cama, que as posições acabaram antes mesmo que eu pudesse desligar minha mente. Enquanto Lindsay me abraçava, eu sentia a pele queimar, e tive que inventar desculpas mentais para dar pela manhã, pois sabia que não conseguiria encará-la.
Não por remorso ou coisa do tipo, mas sim porque seria impossível seguir uma vida sem Scarlett nela. Por mais que ela não parecesse querer que eu resolvesse o problema.
Eram umas três e minha noiva dormia pesado ao meu lado. Levantei devagar e caminhei até meu ateliê. Depois de acender a luz, fechei a porta devagarinho, para não acordar Lind.
Ao contemplar o espaço, me deparei com uma tela branca. Talvez fosse a hora certa de colocar algo na tela. Algo que prestasse. Alguma coisa que me rendesse alguns trocados, pelo menos.
Coloquei uma música para tocar baixinho no meu som e deixei a arte fazer o seu melhor trabalho. Comecei rascunhando em carvão. Meus dedos nem viam o que estavam fazendo, e aos poucos um rosto tomava forma. Poderia ser o rosto de qualquer pessoa, de qualquer mulher, mas naquele momento, a pessoa que não saia da minha mente era uma só, e ela tinha nome, segundo nome e sobrenome.
Scarlett Joane King.
Depois de contemplar meu rascunho, comecei a pintar o fundo. Passei uma camada suave de azul claro, subi para o ciano ainda mais brando, e aos poucos o céu de fim de tarde apareceu na tela, com o rascunho destacado na frente.
Com um dos pincéis mais finos, comecei os detalhes do rosto. O nariz fino e anguloso se mostrou imponente em poucos instantes. O ombro delicado e o queixo pequeno deu à minha musa um ar ainda mais místico. Se eu já a considerava uma ninfa delicada pessoalmente, pela pintura ela estava se tornando uma fada das fábulas que líamos na infância.
Destaquei bem seus olhos. O castanho de suas íris e o brilho indescritível de seu olhar tinha que ser feito com todo o cuidado do mundo, para beirar a perfeição. Eu não precisava nem ao menos de uma foto. Sua memória estava tão vívida em mim, ela estava tão viva em mim, que era como se olhar no espelho.
Depois que terminei o rosto todo, parti para o cabelo. Os fios grossos e espessos caíam em cascata pelos ombros delicados. Algumas nuances de vermelho, por conta do sol constante da Califórnia, podiam ser percebidas de leve, quando se olhava bem de perto.
A pele cheia de sardinhas delicadas davam um charme a mais à ela, por mais que Scarlett as escondesse com maestria - e muita maquiagem - eu era apaixonado por elas.
Para evitar comparações, fiz a garota da tela vestida como uma bailarina clássica. A tela, posicionada na vertical, me permitiu fazer um tule macio e branco, que fazia contraste o céu em crepúsculo de fundo.
Os pés da minha bailarina estavam em posição de descanso, e ela olhava para o lado, mas não completamente; era apenas o suficiente para encarar seus olhos. Parecia que ela estava sempre encarando. Se isso não era um retrato da minha Scarlett, não sei o que poderia ser. Droga. Por que ainda é tão difícil entender que ela não mais a minha parceira?
Fiquei um tempo observando minha obra, talvez pensando que pudesse valer alguma coisa, em algum lugar por aqui.
Deixei tudo secando e me dirigi até o controle do ventilador de teto. Liguei na velocidade ideal para secar as obras que estavam úmidas, me virei para a saída e em seguida fechei a porta.
Encarei as minhas mãos sujas de tinta e sorri um pouco, lembrando dos tempos de faculdade, onde as madrugadas eram usadas para fumar maconha, fazer arte e beber. Com a minha melhor amiga. Com a minha melhor namorada.
A música suave podia ser ouvida do corredor, só que baixinho. Sem fazer barulho, andei a passos lentos até a sala, pé ante pé. Peguei o meu maço de cigarros, que estava escondido em um paletó pendurado no cabideiro. Abri a porta de vidro que me separava da varanda e a fechei em seguida.
Meus dedos eram rápidos o bastante para acender o cigarro, mas meu coração era lento demais para acompanhar tudo o que estava acontecendo na minha cabeça naquele minuto.
Deus, como eu queria desistir de tudo. Como eu queria que a vida fosse tão mais simples, e eu não precisasse reconquistar a confiança de Scarlett novamente. Ela estava tão quebrada... Eu a deixei tão quebrada...
Soprei a fumaça para cima e desejei que os céus me dessem alguma resposta. Mas nada poderia ser feito, não se eu não fizesse alguma coisa.
- Não adianta pedir ajuda aos céus se você nunca sabe o que fazer direito. - Disse uma das vozes mais conhecidas que minha memória pode buscar.
Ao me virar, dei de cara com Scarlett, mas sua pele parecia diferente, mais translúcida e mais pálida. Era como um fantasma, e então notei que poderia estar sonhando acordado, ou apenas dormindo e tendo um sonho bom.
- Como chegou até aqui? - Perguntei, na intenção de saber como ela teria parado ali, e como esperado, ela confirmou as minhas suspeitas. Rindo. Deus do céu, nem em aberração Scarlett consegue evitar.
- Como você acha? Pela sua cabeça, claro! Você deveria estar dormindo...
- E por quê? Logo agora que você está aqui?
- Porque eu nem deveria estar aqui, para começo de conversa!
Scarlett se moveu com delicadeza. Suas mãos se apoiaram no parapeito enquanto ela estava de costas, e como mágica, ela estava sentada na minha sacada. De frente para mim. Me encarando.
- Você não é real, e isso me chateia.
Ela riu, como uma criança que acaba de receber uma série de cócegas.
- Eu sou real o suficiente pra sua cabeça me projetar aqui. Agora. Isso não é o bastante?
Me debrucei ao seu lado, com o cigarro na mão. A brasa queimava tão lentamente, que era possível ouvir os estalos do papel.
Scarlett me encarou nos olhos, com um pouco de raiva no olhar.
- Eu quero saber seus planos.
- Meus planos? Sobre o quê?
Ela negou com a cabeça, exatamente como a Scarlett em carne osso faria.
- O que tem em mente para me reconquistar?
Tragando mais um pouco do cigarro, eu ri. Passei a mão pelos cabelos e a encarei.
- Eu pensei em tanta coisa para chamar a sua atenção, sabia? Até pensei em pintar o cabelo...
- Sério? De que cor?
- A sua favorita...
Scarlett sorriu, como muito eu não a via fazer.
- Eu não sei porque você deixou de pintar...
- Porque a Lindsay disse... Ela me disse que eu precisava ser mais... Apresentável. Se quisesse vender quadros.
Scarlett revirou os olhos.
- Me conta como a conheceu...
Suspirei e a encarei nos olhos.
- Você tem certeza?
Scar deu de ombros.
- Tecnicamente, você está contando a história para você mesmo. Você sabe, né?
Ri do jeito que ela disse e respirei fundo.
- Bom... Tudo começou assim...

Flashback on

Era mais um dia normal no trabalho. Trabalhar em uma galeria de artes às vezes era ser chato. Ainda mais sendo um artista. Era tanta gente chata que aparecia para comprar quadros... Gente rica, esnobe e nariz em pé. Mas um dia, uma garota entrou na sala onde eu estava e seu jeito diferenciado chamou a minha atenção.
Ela não parecia ser do mesmo mundo que os meus patrões, apesar de aparentar ser rica. Ela estava lá para ver as obras, aproveitar uma tarde apreciando arte boa e de qualidade. Aparentemente...
Enquanto ela passava pelos quadros, observei seu longo cabelo vermelho, e notei que o jeito como ela se movia lembrava muito a Scarlett. Talvez fosse por isso que me apaixonei logo de primeira por ela.
Eu estava terminando de limpar a moldura do quadro ao lado daquele que ela encarava. Seus olhos me encontraram e eu sorri.
- Eu gostei daquele ali... - Ela apontou para um quadro que mostrava um casal junto. - Sabe me contar a história por trás dele?
Não sei como ela sabia, se é que sabia, mas aquela obra em especial tinha sido feita por mim, e estava lá apenas para tapar buraco.
Rindo baixinho, eu neguei com a cabeça.
- Apenas um cara fodido que perdeu a melhor amiga para um marido mauricinho e não cansa de ser masoquista.
- Achei profundo...
Ri amargo do comentário, negando com a cabeça de novo.
- Acredite, não é. Palavra de pintor, e autor desta singela obra que tanto te encantou.
Ela riu e negou com a cabeça.
- Claro que é... Arte envolve paixão, senhor...
- Pode me chamar de Gerard.
- Gerard. Eu sou a Lindsay.
- Oi, Lindsay. - Sorri gentilmente e abanei a cabeça. - Vai comprar algum quadro? Eu posso indicar outros melhores que aquele, eu prometo. Na verdade, ele nem está à venda...
Ela riu de novo e sorriu abertamente.
- Eu sou estudante de artes... Quero ser crítica um dia, e por isso preciso vir até aqui para praticar, analisar as obras e a sua profundidade. Eu gostei muito da sua. - Ela apontou para um bloquinho e sorriu largo - Meu professor de crítica é um caça-talentos... Me passa o seu telefone, assim podemos conseguir algo para você em alguma galeria... O que acha?
- Meu Deus! Isso é sério?
Ela acenou que sim com a cabeça e sorriu abertamente para mim.
- Espero que aceite. Fique com um cartão. - Ela estendeu então um pequeno papel feito com muito cuidado e requinte e me entregou - Me ligue quando quiser.
Eu descobri depois de um tempo de namoro que ela na verdade tinha um caso com o professor, e estava realmente caçando talentos para ele. Eu descobri anos depois do primeiro encontro que tivemos na galeria, e isso tecnicamente me fez rir. Nunca poderia comparar ela a Scarlett. São duas personalidades diferentes, pessoas completamente opostas...
Mas eu não queria ficar sozinho, então... Foi assim que todo o meu pesadelo começou.

Flashback off

Depois que terminei a história, me deparei comigo mesmo sentado na varanda, encostado na porta, caindo de sono. Tive um daqueles sonhos lúcidos que parecem reais demais, mas na verdade, só nos mostram como a nossa cabeça é uma grande merda. Uma armadilha constante para te fazer ceder a tentação de novo.
Levantei do chão com dificuldade e me dirigi ao sofá. Eu não teria coragem de deitar com Lindsay de novo, e muito menos explicar porque eu não tive coragem de fazê-lo. Por isso, liguei a TV no meu streaming favorito e deixei a trilogia antiga de Star Wars rolando enquanto eu dormia feito um neném.
A luz do sol invadiu meus olhos antes que eu pudesse sonhar com o Chewie e Scarlett jogando xadrez. Lindsay estava com cara de poucos amigos para mim, parada na frente do sofá, de braços cruzados.
- Você esqueceu, não foi?
- Esqueci o quê? - Falei com a voz rouca, enquanto me sentava no sofá.
- Se troca logo, Gerard! Nosso almoço de casamento é em duas horas!
Merda. Merda, merda, MERDA! Como foi que eu esqueci dessa merda...
Ai. Meu. Deus.
A Scarlett vai estar lá. Vestida de madrinha. E vai fazer um discurso.
Eu acho que estou fodido. 

I've Been Thinking About YouNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ