37. Despedida e recomeço

23 7 0
                                    

Na manhã seguinte, o sol brilhava forte sobre o sangue seco de Júlia e de Débora. Seus corpos já não estavam ali.

Eduardo Monteiro olhou para as malas ao lado da porta e sorriu. Daqui a pouco iria para Petrópolis passar um final de semana com sua amada esposa. Ele estava animado, fazia tempo que não tiravam o momento para ficar juntos. Bebeu mais um gole da xícara de café e lia sem muito interesse as notícias do Jornal. O Jornal de domingo é bem melhor que o de sábado, pensou displicentemente. A empregada sorriu para Eduardo que retribuiu o sorriso e deixou uma pequena caixa ao seu lado. Interessado olhou o remetente e duvidou: Débora? Na caixa havia uma carta e um pequeno caderno em espiral. Apressadamente, Eduardo desdobrou a carta de Débora e leu:

Amor da minha vida,

Ao ler essa carta saiba que eu já não estou por aqui. Pense que eu e a Amélia estamos juntas aguardando o juízo do nosso bom Deus. Eu não podia deixá-la sozinha, principalmente depois de tudo que descobri. Eu ainda não sei como, mas eu falhei terrivelmente com nossa Amelinha, não a ajudei quando ela mais precisou de mim, ela gritou por ajuda todo o tempo, ela implorou, mas eu estive surda e cega. Eu sei que nunca poderei me perdoar. Nunca. Que Deus possa ter a capacidade de me perdoar e acalentar minhas feridas, pois eu sei que perdoará Amelinha, e eu gostaria de passar a eternidade ao lado dela no paraíso, implorando por seu perdão e cercando-a de cuidados, beijos e carinhos eternos. Nossa Amelinha, meu amor, foi vítima da pessoa mais cruel que conheci: Júlia.

Eu pensei em não dizer nada a você sobre a Júlia, queria poupar sua dor e seu sofrimento, mas eu sei que com nossa morte seu sofrimento irremediavelmente virá e só a verdade pode acalmar os porquês de seu coração. E certamente não é agora na minha despedida que vou mentir a você. Nesse envelope você encontrará o diário de Júlia. Ele dirá tudo o que precisa saber e talvez mais ainda.

Quero que saiba que eu sinto, tanto e tão profundamente, que a tristeza e a culpa não couberam dentro de mim. Elas eram maior que a vida e pediram para que eu fosse embora. Eu fui e levei a Júlia comigo. Eu sei que era o que eu tinha que fazer. Meu amor, quero que saiba que te amarei sempre. Sua Débora.

Eduardo foi tomado por uma avalanche de emoções que fizeram com que ele tremesse e suasse frio. Faltava-lhe ar. Sentou-se novamente para recuperar o fôlego, mas uma forte dor no peito comprimia seu coração sem piedade. Morreu de ataque cardíaco naquela manhã de sábado.

A empregada retornou com uma bandeja para retirar a mesa do café, mas derrubou-a no chão e gritou, como nunca tinha gritado antes em toda sua vida. Na cadeira da copa jazia Eduardo Monteiro, seus olhos abertos e sua expressão de dor chocariam qualquer um que com ele se deparasse.

Algumas horas depois daquele mesmo sábado, em um pequeno e discreto hotel de Copacabana, Geraldo Roberto e Clarice tomavam café da manhã.

-Mais café, Elvira?

-Não, muito obrigada, Felício. Que nome você foi escolher, hein!? -disse a pergunta em voz baixa.

-Madame Elvira lembre-se do risco que mencionei.

-Está bem, Felício. Mas é que...

-O que, madame?

-Nada! -disse Clarice virando mais uma página do jornal. -Me diz por que demorou tanto para voltar?

-Estava tudo bem no prédio da senhora, mas quando eu estava saindo, o porteiro veio correndo em minha direção com uma caixa na mão. Eu relutei em pegá-la, considerando, enfim...

-Diga logo, homem!

-No final, eu a trouxe. Foi enviada pela senhora Débora Marcondes.

Clarice arregalou os olhos:

Café ForteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora