Capítulo 9.

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Eu havia ligado para Lola logo depois de terminar meu almoço. Eu tive de ouvi-la gritar coisas sem sentido por longos minutos, até que finalmente se calou.

— Vai me ouvir, agora? — pedi.

— Vou. É bom ter uma ótima explicação. Eu estava prestes a ligar para os seus pais e para a polícia.

Eu suspirei.

— Você se lembra da festa que fomos, certo? A festa em que você pegou o Gerard?

— O quê? O... Gerard?

Eu rolei os olhos.

— Esquece. Foca na festa. Você se lembra?

— Lembro.

— Eu fui para a ala dos jogos. E eu encontrei um jogador que poderia me ensinar algumas dicas sobre o pôquer. E, ontem, na faculdade, eu fui atrás dele. Mas algumas coisas aconteceram. Eu vim parar em outra cidade.

— Espera um pouco. Isso aí não está certo. O que aconteceu?

Eu olhei para Bruno, que me olhava enquanto eu estava usando o telefone do hotel. Ele assentiu, como se permitisse que eu contasse a verdade.

— Bom, esse jogador estava metido em umas encrencas. E no momento que eu fui atrás dele, outros caras também foram, e acabaram me pegando junto. Não sei se queriam algum dinheiro de volta, ou o quê — menti na última parte. — Mas nós conseguimos fugir. Não ligue para a polícia, ainda. Estamos escondidos e seguros. Eu só preciso que você fique de olho no meu prédio, tudo bem? Eu estarei de volta em um ou dois dias. E não fale nada para os meus pais.

— Clarice, tenho pena de você. Está tão ferrada quando voltar. Vou querer saber todos os detalhes que está me escondendo.

— Você vai, fique tranquila. Mas, agora, preciso ficar escondida até a poeira baixar. Não sabemos as formas que os caras que estão atrás de nós usam para encontrar quem estão procurando, então, acho melhor eu usar o telefone só quando for extremamente necessário. Eu te ligo se for o caso. Tudo bem?

— Tá — ela bufou do outro lado. — Mas não demore. Nós temos programas combinados e eu preciso saber dessa história com Gerard.

Eu concordei e desliguei em seguida. Olhei para o lado e Bruno já estava sobre a cama de casal, sentado com as pernas cruzadas e batendo no espaço de colchão em sua frente. Eu balancei a cabeça, sorrindo, e fui até ele. Sentei-me da mesma forma, mas de modo que o vestido-micro não mostrasse minhas partes íntimas, e deixei minha coluna reta, sempre sustentando o olhar com o dele. Eu não sabia o porquê de ele estar rindo.

— Por que diabos você está sorrindo? — eu perguntei, irritada.

— Por que você não tenta descobrir?

Eu semicerrei os olhos.

— Está rindo para me irritar.

Ele gargalhou.

— Bom chute. Mas não é isso. Agora é a minha vez.

Eu franzi os lábios e bufei em raiva, enquanto pensava em alguma emoção para demonstrar.

— Está com raiva.

— Mas eu ainda nem... — eu não terminei de falar e cruzei os braços. — Isso não é justo.

— Mas eu consigo vez que está com raiva. Tudo isso porque não consegue me ler?

— Você é o único que não entendo! Claro que estou com raiva! — eu esmurrei o colchão. Ele continuava rindo em forma de deboche.

— Tudo bem. Sua vez. — ele falou, respirando fundo e alongando a cabeça para frente e para trás, antes de me encarar com seus olhos verdes e deixar seu rosto completamente relaxado. Que merda era aquela? Ele podia, muito bem, estar explodindo em raiva e eu nunca saberia. Não havia tensão em nenhum músculo de seu rosto. A única coisa que eu enxergava era uma leve contração no músculo de seus lábios, indicando um sorriso querendo brotar.

— Eu estou com uma vontade imensa de te mandar à merda. Eu não sei como faz isso.

Ele não moveu um músculo.

— Eu acho que você está com medo. — eu chutei. Seu lábio se fechou.

— Por que acha isso?

— Porque não é possível estar tão calmo em uma situação dessas, a não ser que você já tenha passado por elas.

— Você está certa.

— Mas eu não decifrei isso lendo seu rosto. Só o fiz porque sei do contexto em que estamos. Não é possível que demonstre medo enquanto está quase rindo. Você precisa me dizer como aprendeu a mascarar suas expressões.

Ele fez que não.

— Continue tentando. — ele falou, alongando sua cabeça mais uma vez e projetando outra emoção em seu rosto. Desta vez, seu maxilar estava trincado e eu vi suas bochechas encolherem — ele as estava mordendo por dentro. Suas pupilas dilataram e seus dedos se fecharam ao redor de seus joelhos.

— Está nervoso.

Ele fez que não. Eu grunhi.

— Então, está com raiva.

Ele fez que não, novamente.

Eu vi a forma como suas pupilas estavam dilatadas e o modo como seu olhar se mantinha sempre fixo em meu rosto. Por um momento, eu achei que a ideia do beijo era estúpida; mas vendo-o ali, se retorcendo internamente daquela forma... era quase como se ele estivesse tentando se controlar.

Naquele momento, eu soube que, se eu quisesse decifrá-lo, eu não poderia me controlar. Era a minha vez de fazer o impensável e o não esperado.

Eu apoiei minhas mãos sobre as dele, em cima de seus joelhos, e descruzei minhas pernas enquanto impulsionava meu corpo para frente. Levei meu rosto até o dele, encostando nossos narizes, um no outro. Eu o vi engolir em seco.

— Eu acho — eu comecei, murmurando. Eu senti suas mãos se fecharem ainda mais. — que você está tentando se controlar.

Bruno não fez que sim, nem que não.

Eu olhava para seus olhos; mas, desta vez, eles não estavam mais mirados nos meus. Bruno olhava para a minha boca. Eu aproximei meus lábios dos dele, mas não deixei que se tocassem. Um milímetro minúsculo nos separava. Eu ergui meu olhar até os olhos dele.

Sua expressão mudou rapidamente. Bruno relaxou e um sorriso se abriu.

— Está melhorando — ele falou, cortando todo o clima. Eu me afastei e voltei a me sentar como estava, enquanto meus olhos vagavam pelo quarto em busca de algo para me esconder. — Só não é tão boa quanto meu autocontrole.

Eu ri, nervosamente e sem graça.

— Acho melhor pararmos. — falei, me colocando de pé e indo até um dos sofás do quarto, onde haviam algumas toalhas dobradas.

— Por quê? Estava indo bem.

Eu balancei a cabeça.

— Claramente, não vai fazer bem para nenhum de nós. Você está preso a coisas que não está disposto a falar para ninguém. E eu estou fadada a lidar com o fato de que sempre haverá alguém que será ilegível para mim. Você pode ser o primeiro, mas certamente não será o último. Pode ficar tranquilo — o que quer que você esconde dentro de você, ficará lá para sempre. Ninguém nunca vai tirar isso de você. — eu falei, sem olhar para ele, enquanto andava até o banheiro e fechava a porta atrás de mim.

Bruno não disse coisa alguma ou bateu à porta para falar comigo. Por alguns segundos, eu agradeci. Depois, eu senti meus olhos se encherem de lágrimas. Eu chorei de raiva por tudo o que havia me metido. Por ter sido idiota em achar que conseguiria ler todos. Por ter ido atrás de Bruno quando não deveria tê-lo feito. Por haver estranhos atrás de mim, também, por culpa de um homem que não era capaz de soltar ou expressar uma verdade que fosse.

Eu estava com muita raiva.

Principalmente por estar com vontade de beijá-lo e querê-lo só para mim.

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