Capítulo 8.

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Conforme meus olhos se abriram, eu senti minha cabeça doer. Por sorte, o lugar em que eu estava tinha a iluminação baixa e a cama — se é que era uma cama — era macia. As imagens se ajustaram à visão e eu percebi que era, de fato, um quarto. O quarto era espaçoso; havia a cama em que eu me deitava, alguns sofás, uma escrivaninha, uma televisão em frente a cama e uma porta — que indicava o banheiro, provavelmente.

Eu comecei a me ajeitar sobre o colchão no exato momento em que Bruno abriu a porta, trazendo consigo alguns pacotes, os quais eu deduzi serem de comida.

— Ei, você acordou — ele murmurou, fechando a porta atrás de si e atravessando a cama para ir até o lado livre. — Eu queria ter estado aqui. Está de pé faz tempo?

— Acabei de acordar. — falei, meio resmungando. — Onde estamos?

Ele deu um meio-sorriso.

— Bom, a verdade é que eu sou muito bom no volante. O carro dos caras foi parar na plantação de arroz e eu nos tirei daquele caos. Eu não pude ver como você estava até ter certeza de que estávamos a salvo. Segui pela rodovia até outra cidade e, só então, parei em um hotel. Nós estamos seguros, agora. E eu fui buscar uns lanches para nós, em uma lanchonete aqui perto. — ele esticou um pacote para mim. Eu me sentei na cama, cruzando as pernas. — Como é que você está se sentindo?

— Bem, eu acho. Minha cabeça dói, também. Que horas são?

— Quase meio-dia.

— Puta merda — eu grunhi. — Eu dormi tudo isso?

Ele riu e fez que sim. Começou, então, a abrir seu pacote e a tirar, de dentro, um pequeno isopor que continha um recheado hambúrguer.

— Você tem que certeza que não nos seguiram? — eu perguntei, receosa.

— Tenho. Pode ficar tranquila. Nós continuaremos com o plano. Ficaremos aqui até despistarmos eles por completo.

— Acho melhor eu ligar para meus amigos. Avisá-los da situação... para que fiquem de olho nas coisas lá em casa. — sugeri.

— É uma boa ideia. — e ele deu uma mordida enorme em seu lanche.

Eu peguei o meu pacote e abri meu almoço. Dei uma mordida tão grande quanto a que Bruno havia dado. Ele me observou com os olhos arregalados, como que surpresos. Nós rimos juntos.

— Acho que nunca vi uma garota comer dessa forma — ele falou, de boca cheia, fazendo-me rir. Eu engoli rapidamente, para não engasgar.

— Qual é o problema?

— Nenhum. É surpreendente, apenas.

— Você não faz ideia do que é surpreendente.

— O que é, para você?

— Você. — eu soltei. — E a forma como você joga. — eu balancei a cabeça. Mordi mais um pedaço, mas desta vez menor. — Eu não consigo saber como estão suas cartas. Seu corpo contradiz seu jogo. Eu não consigo entender você.

Ele abaixou o olhar, até o seu lanche, e franziu os lábios.

— Acho que a vida ensina as pessoas a ser assim. — ele disse, erguendo o olhar novamente.

— Não pode ser. Se fosse esse o caso, eu não conseguiria ler mais ninguém. Você é o único. Até mesmo em algumas coisas que faz... não sei dizer o que seu rosto esconde.

— Acho que aprendi bem com meu pai.

— Acho que você está mentindo — eu rebati. Ele apenas riu e não tocou mais no assunto. — Quem eram aqueles caras, afinal?

— Eles são capangas do dono de um dos cassinos que frequento. Um deles até mesmo joga, para “desmascarar” pessoas que zeram as fichas de jogadores profissionais. Quando descobri quem eram, parei de frequentar aquele cassino. Estava indo no mesmo que encontrei você. Mas acho que fui ingênuo demais em achar que os donos dos lugares não se conversam. Quando saí do hotel, eu dei de cara com um deles. Estavam atrás de mim. Consegui fugir, claro, mas não achei que viriam atrás de mim. Eu sequer achei que sabiam de onde eu era, afinal, eu nunca usei informações verdadeiras nos lugares que fico. Sempre pago tudo em dinheiro, também. Acho que fui descuidado.

Eu engoli em seco. Se havia pessoas lá fora que ficavam de olho em pessoas que venciam jogadores profissionais, eu poderia estar sendo procurada, também. Eu frequentava os cassinos uma vez por mês — isso daria a eles uma ideia do tipo de jogadora que eu era, ainda mais se já estivessem a minha espera.

— Isso não é bom — eu falei.

— É, eu sei. Eu acho que vou ter que arranjar um trabalho, agora. Não posso voltar para o Uruguai. Poderia até ir para a Argentina, mas não é a mesma coisa. Não sei o que fazer.

— Não, não estou falando disso. Bruno, se eles possuem capangas que fazem o tipo de serviço que você comentou... pode haver gente atrás de mim, também. — eu senti meu estômago revirar. Bruno riu.

— Não, eles não vão ficar na cola de mulheres gostosas. Vai por mim. Eles têm mais com o que se preocupar.

— Você acha?

— Acho. — e ele mordeu seu lanche mais uma vez. Eu imitei-o.

— Ainda assim — eu continuei —, não acho que você precise de um trabalho, a não ser que queira, claro. Eu sei que seu pai é jogador profissional. Ele deve ter dinheiro para te emprestar.

— Claro que tem. Se não fosse tão ganancioso. — ele respondeu, com naturalidade. Devia estar acostumado com o comportamento do pai; ou, mais uma vez, eu podia estar enganada.

— Então, vocês não se falam?

Bruno balançou a cabeça e abriu um sorriso. — Eu não vou falar sobre isso.

— Sabe, a gente vai ficar nesse quarto por algumas horas. Seria legal se eu conhecesse um pouco sobre o homem que não consigo ler e que roubou um vestido para eu usar. E que me fez ser sequestrada. E que me ajudou a fugir. Quem sabe eu me sentiria um pouco mais segura — eu brinquei.

Ele arrumou os cabelos bagunçados para o lado e me encarou, enquanto mordia o lábio inferior, o rosto sério.

— O que essa minha expressão quer dizer? — ele pediu, continuando sério e me olhando nos olhos.

— Então, você vai me ensinar a lê-lo?

— Não sei. Minha expressão está te dizendo isso? — ele continuou, irritando-me levemente. Eu semicerrei os olhos e aproximei meu rosto do dele.

Analisei cada parte do se rosto. O modo como seu maxilar estava relaxado, e modo ele sustentava a mordida no lábio inferior, levemente. Suas sobrancelhas não estavam arqueadas; seus olhos claros me encaravam de uma forma quase que possessiva. Se eu não levasse em conta tudo o que havia acontecido entre nós nas últimas horas, eu podia jurar que ele queria me beijar.

— Eu não sei. — menti, para não dizer o que eu pensava. — Não sei dizer o que você está expressando. — eu afastei meu rosto e voltei a morder meu lanche.

Ele me lançou um meio-sorriso triunfante.

— Acho que até o final do dia você vai descobrir.

— Pode ter certeza. Porque, assim que eu terminar esse lanche, você não escapa. Vai ter de me ensinar.

— Veremos, Clarice. Veremos.

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