Capítulo 4.

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Jogada após jogada, eu tive de aguentar meu estômago se retorcer e minha mente entrar em colapso. Desde que eu percebera que tinha facilidade em entender as expressões humanas, eu comecei a estudá-las, a ponto de usar aquilo como meu benefício. Mas eu não sabia o que fazer, agora. Aquele garoto arrogante, Bruno, parecia conseguir me ler, enquanto eu apenas o encarava, incrédula. Bruno era ilegível. Indecifrável. Impossível de prever qual seria sua jogada.

Eu combinava com a minha mente “Não, desta vez, ele está blefando”. E ele perdia.

“Não, desta vez, ele vai perder”. E ele ganhava. E fazia questão de rir para mim, debochado, independente do resultado. Quando Bruno havia anunciado que apostaria toda as suas fichas em uma jogada e eu pude ver seu rosto sério, eu soube que ele perderia. Ninguém apostaria tudo com aquela expressão.

Mas ele ganhou.

E levou o dinheiro de todo mundo.

E eu me levantei da mesa, impaciente, dando as costas para os jogadores e indo em direção ao cômodo subterrâneo em que acontecia a festa.

Quando já havia aberto a porta para a ala onde o sexo ocorria loucamente, meu pulso foi segurado com força e eu fui girada. Dei de cara com Rafael.

— Ei, ei, docinho. Onde você pensa que vai? Ainda tem mais gente querendo jogar.

— Não vou conseguir. — respondi.

— Como não? Eu vi você dando as cartas, tudo certinho. Já entendi que o que você quer é jogar, mas, por hoje, será que não pode continuar sendo dealer? Juro que na próxima festa você joga.

— Não. Não vou jogar enquanto... — eu parei por um momento. Rafael conhecia Bruno. — Quem é aquele garoto que ganhou tudo?

Rafael se virou e eu segui seu olhar. Por mais que o cômodo do pseudocassino estivesse lotado, eu conseguia ver o garoto em pé, perto de algumas garotas de pouca roupa.

— O Bruno? — ele gargalhou. — O cara é jogador quase que profissional, mas ninguém sabe. Quer dizer, eu sei porque sou um de seus amigos. Seu pai que o ensinou a jogar pôquer. É assim que ele ganha a vida.

— E que diabos está fazendo no Rio Grande do Sul? Ele deveria estar em Vegas, sei lá — rebati. Eu queria aquele território só para mim.

— Bruno, apesar das aparências, está no último ano de psicologia, aqui da faculdade. Depois que se formar, quem sabe, ele siga sua carreira em jogos de azar. Até lá, ele faz o que pode.

Claro. Indo para os cassinos uruguaios que eram minha especialidade e fodendo com tudo. Com a minha vida e meu jeito de ganhar dinheiro.

— Posso saber por que o repentino interesse em Bruno? Não acho que ele seja para o seu bico, se é o que você está insinuando e...

— Eca! Rafael, para com isso. Só queria saber como que ele sabe jogar tão bem. Pensei que, em uma festa da faculdade, eram todos amadores.

— Alguns são melhores que outros — Rafael pontuou. — Então, vai continuar jogando por hoje?

— Sem jogos. — e eu comecei a ir para o corredor. Rafael me seguiu.

— E na próxima? Vai jogar?

— Talvez. Isso depende de quando é a próxima.

— Em quatro dias.

Eu ponderei.

— Tudo bem. Eu venho. Agora, preciso ir para casa. Boa festa para você, chefe da máfia — eu disse, mandando-lhe um beijo e dando o fora dali. Eu só queria sair daquela dimensão absurda que se encontrava no porão imenso da universidade que eu frequentava e ir para a minha cama. Eu precisaria de novos estudos em expressões faciais, disso eu tinha certeza. O problema é que a única pessoa que poderia me ensinar a lê-las era o próprio Bruno. E eu sequer o conhecia e já o odiava.

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