06 - Mari

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Uma das verdades universais sobre as pessoas? Elas sempre vão nos decepcionar. Não importa quando e quem, mas sempre vai acontecer. Nós temos um pouco de culpa, pois antes mesmo de conhecer alguém criamos expectativas, mas em algum ponto essas ideias irão divergir e acabamos por nos decepcionar. Digo isso porque vi isso nos olhos de Alfred, o tal amigo de L. Vi um documento na parede indicando seu nome. Olhei em seus olhos vários sentimentos, nas quais um deles era a decepção, não sei por que ele estava decepcionado conosco, porém senti isso. Outra coisa que senti é que ele sofria, não sabia exatamente o motivo, mas ele sofria.

Assim que Julian foi até o banheiro aproveitei a distração para tocar em Alfred, por menor que seja o toque consigo sentir e ver o passado de qualquer um e com ele não foi diferente. Senti e entendi o sentimento que o fazia sofrer e ser quem é, ele se sentia culpado por algo que tinha feito no passado, ele fora culpado por um acidente ou algo parecido e ele se sentiu tão mal por isso que se fechou em si e acabou por se tornar amargurado.

Não fora somente sentimentos que observei nesse breve segundo em que o toquei, vi uma cena que poderia nos ajudar. Assim como todas as cenas que vi até agora, estava embaçada e só vi vultos e vozes. Senti que estávamos em um lugar isolado e fechado, mas amplamente espaçoso e possuía vários automóveis, mais tarde descobri que provavelmente era um estacionamento, existiam dois grupos de vultos. Na conversa consegui identificar uma das vozes, a do Alfred. Eram vários vultos na sala, pelo rumo da conversa identifiquei que alguns eram um espécie de experimentos e Julian e eu estávamos em um dos grupos. Pude concluir que não estávamos sozinhos na jornada, ainda existiam cinco pessoas que acordaram e não se lembravam de nada. E tínhamos que nos encontrar, se quisermos descobrir algo sobre nosso passado.

-Mas como acharemos cinco pessoas no meio deste país imenso? - perguntou Juan depois de falar tudo o que sabia. Essa era uma pergunta válida.

Segundo Juan, estávamos em uma situação bem ruim, segundo ele achar um dos cinco é como procurar uma agulha em um palheiro, lembrei que aquela expressão significava que estávamos bem encrencados. Era difícil formar um plano onde somente um se lembrava de tudo, o que não ajuda muito, e dois estavam sem memória. Era mais fácil procurar a tal agulha no palheiro.

***

Julian foi iluminado por uma grande ideia que poderia nos salvar, poderíamos fazer aquilo de novo, o negócio de nos tocarmos, assim poderíamos nos lembrar de nosso passado, por consequência iria ver o futuro dele. Procuramos um lugar vazio onde poderíamos fazer sem ser perturbado. Juan disse que poderíamos voltar a casa dele, mas encontramos um lugar. O lugar era bem bonito, era uma construção no meio de uma praça, Juan disse que na cidade existiam cinco praças como essa e aquela se chamava Praça da verdade. O nome provem de suas construções, que eram de formatos abstratos e geométricos feitos de vidros, assim é a verdade, transparente. Quem teme a verdade se esconde por muros e objetos escuros, mas aqueles que amam a verdade não precisam de muros. Os vidros mudavam de cor, vermelho, amarelo, verde, tudo transparente. Uma construção que mais me impressionou foi um vitral bem em cima da construção do meio, eram três imagens, uma com um formato de um objeto quebrado, que simbolizava que a verdade poderia ser difícil e destruidora. A segunda construção era o desenho de uma pomba, simbolizando a pureza e como a verdade nos liberta. A última imagem era de dois rostos contrários, um sorrindo e outro triste, significava que a duplicidade de sentimentos trazidas pela verdade, a que poderia ser boa e que muitas vezes era cruel. O desenho das três imagens significava que a verdade deveria ser dita por mais que cruel e destruidora que seja, ela não deve ser contida. Um país sem mentiras é um país feliz. Algo me falava que a verdade era simplesmente destruidora, no meu caso, e que Juan era um bom guia turístico.

Sentamos na parte onde fazia mais sombra, ficava próximo ao rio que corria logo abaixo. O ar estava bem puro e parei pra observar as pessoas passando no outro lado da margem do rio, estavam felizes, alguns sorriam outros só passavam apresados. Alguns estavam falando ao telefone, Juan disse que isso era algo muito bom e que nos conectava a várias pessoas no mundo, estavam alegres e despreocupadas. Então assim é a vida, sorrimos, choramos, compartilhamos sentimentos, e vamos vivendo a vida... Não, isso não era vida, isso era apenas a superfície. Uma coisa eu notei quando olhei pras pessoas do outro lado da margem, um homem alto e forte tomando café e lendo um jornal em um estabelecimento, um sentimento de desconfiança tomou conta de mim assim que nossos olhos nos cruzaram, desviei o olhar e me concentrei na cena atual.

Projeto CronosWhere stories live. Discover now