Quem desdenha quer comprar

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"Olha aí o mundo girando
E a gente se esbarrando outra vez"

– Nocaute, Jorge e Mateus.

Eu me sento em sua frente e, olhando-a de perto, eu tenho quase total certeza de que eu a conheço, e não é porque eu vi as fotos da empresa, mas por causa da familiaridade da voz, dos traços do rosto e até do perfume que faz meu coração acelerar a cada respirada que dou, parece que eu a conheço de algum lugar de fora daqui, o que é mais estranho.

Ela me chama novamente e eu devo estar parecendo um retardado olhando para cara dela sem me apresentar. Temos uma curta conversa e eu me lembro logo de me desculpar pela ligação e ela me interrompe no meio da minha desculpa. E eu odeio ser interrompido. Ela faz perguntas profissionais, não estou acostumado com entrevistas, mas pelo que dei uma olhada na internet, é normal o empregador fazer esses tipos de perguntas. E quando estou respondendo, ela me interrompe novamente e eu tenho que me segurar para não ser grosso, ela está pensando o quê? Só porque é dona tem que ser ignorante? Ela parece ser pior que meu ex-sogro que era o cão. Ela me faz algumas perguntas pessoais e eu fico intrigado, mas vou respondendo, afinal, ela quer alguém de confiança, mas parece que estou passando por um interrogatório policial.

Sim, foi exatamente isso. O pai dela, o Sr. Still – fico tenso ao dizer o nome do meu ex sogro, não sei se ela realmente entrou em contato com ele ou não– me empregou em sua corretora de imóveis. Fiz alguns cursos e...

Acredito que para ele te empregar nesse ramo, o senhor sempre deve ter sido bom em matemática e cálculos. – E ela me corta novamente, sorrindo com malícia. Que vontade de responder essa mulher devidamente como ela merece, mas preciso do emprego.

Não – Sorri, nervoso. – Eu sempre fui péssimo em matemática. O meu ex-sogro me ajudou muito, apesar de... bem.– Sabe quando você tem um flashback? E foi nesse momento que eu lembrei dela e meu coração deu um solavanco.

Senti minhas mãos suarem, fazia tanto tempo que eu não me lembrava dela... A senhora Rassato me olhou intrigada me perguntando algo, eu provavelmente deveria estar transparecendo nervosismo. Fiz um resumo da minha vida e ela quase teve um infarto quando eu disse que tenho gêmeos, mas é comum todas as pessoas terem essa reação, eu acho até um pouco de graça quando fazem isso. A senhora Olívia se mostra preocupada com a conciliação das crianças e o trabalho, estou até acostumado com esse tipo de pergunta, já tenho a resposta na ponta da língua.

Eu concilio com a ajuda dos meus pais. Os gêmeos ficam comigo. Ela não liga muito para eles. Mas eu quero que a senhora saiba que eu vou me empenhar muito para dar o meu melhor nessa empresa.

É quase um mantra já, de tanto que eu repeti isso quando estava fazendo meus bicos para manter a casa. Ela confirma minha contratação e meu coração está praticamente pulando fora do meu peito só de ouvir ela dizer que a vaga é minha. Saímos da sala e caminhamos até o elevador para eu ir até o RH e ter todas as informações. Cumprimentamos-nos e as portas do elevador se fecham e eu tenho vontade de gritar: "EU TENHO A PORRA DE UM EMPREGO!". Estou eufórico e emocionado, e só em pensar que vou conseguir colocar minha vida para caminhar novamente, é um peso que sai das minhas costas. Não vejo a hora de ligar para minha mãe e tenho certeza que ela vai chorar ao telefone, me fazendo ficar emocionado.

Chego ao RH e me direcionam para sala de Carvalho. Ele está de cabeça baixa concentrado em alguns papéis. Quando ele me vê, arregala os olhos e me dá um sorriso de orelha a orelha. Sabe, o conheço há pouco tempo, mas acho que seremos grandes amigos. Ele vem até mim e me abraça.

– Sabia que você conseguiria, não me decepcione. Eu incentivei a senhora Rassato a te contratar, ela é um anjo não é mesmo? – Ele sorri e me abraça brevemente, me dando umas tapinhas nas costas. Fiz uma careta quando ele disse que ela é um anjo. "Só se for em questão de beleza" penso, porque ela me interrompeu e foi fria tantas vezes que eu fiquei muito puto. Sorri para ele e caminhamos até sua mesa e logo me sentei na cadeira à sua frente. Carvalho era um pouco mais baixo que eu, era um pouco acima do peso, tem olhos de tom castanho escuro e usa óculos de grau. É fácil de conversar com ele, pois ele é bem engraçado também. Ele me entrega alguns papéis pedindo documentações pessoais e me passando o papel para o exame admissional. Conversamos sobre a vaga e minhas funções, e quando ele me falou meu salário, eu quase caí da cadeira, dizendo que era impossível ser aquele valor todo, mas cheguei à conclusão que o meu ex-sogro me explorava em todos os sentidos. Às vezes eu acho que tem algo mais, além de eu ter engravidado a filha dele, porque nem meu salário ele me pagava. Se Carvalho não tivesse me dito que essa é a média do salário de setor financeiro, eu nunca iria acreditar, tive que fazer ele me mostrar no computador para eu ter total certeza.

Tudo que vai, voltaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora