Quem apanha nunca esquece

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Ainda paralisada no meio do corredor, eu olho para as portas do elevador que acabam de se fechar. "Eu tenho certeza que eu o conheço. De algum lugar." Eu penso, tentando me lembrar de onde. Sem perceber, a secretária do andar, um doce de menina, se aproxima de mim, colocando uma de suas mãos em meu ombro:

- Senhora Rassato? Está tudo bem? Parece tonta. - diz ela, parecendo preocupada

- Sim, sim, estou bem. Obrigada. Só foi uma vertigem. - Respondi, ainda tentando por as ideias no lugar. Começo a andar novamente em direção a minha sala, mas paro novamente na porta, me virando para ela - você poderia trazer um café pra mim? Saí às pressas de casa e não tive tempo de um café reforçado. Claro, se não estiver muito ocupada. - Pedi, tentando não parecer muito autoritária.

- Sim, sim, pego agora mesmo. - me respondeu ela, já saindo de trás do seu balcão.
Tento me lembrar o nome dela, mas não consigo. Balanço a cabeça em reprovação a mim mesma e abro as portas cinzas de minha sala. Respiro fundo ao olhar tudo organizado e com cheiro de limpeza. Ela realmente soube como cuidar da minha sala enquanto eu estive fora. Minha vontade agora era de me deitar na poltrona espreguiçadeira que se encontra logo à esquerda, mas preciso começar a trabalhar. Coloco minha bolsa tiracolo ali mesmo e olho ao meu redor novamente. Às vezes eu me sinto orgulhosa de mim mesma por ter conseguido isso tudo. Outras vezes me sinto sozinha por não ter com quem compartilhar isso.
Me sento em minha cadeira atrás da imensa mesa de madeira cor tabaco e ligo o computador. Enquanto o mesmo liga, o meu ramal toca, e eu levo aquele susto:

- Senhora Rassato? Já estou com o seu café. Posso levar até sua sala? - era minha secretária. Não sei o que aconteceu comigo depois do episódio do elevador - Pode, pode sim. Estou lhe aguardando. - Desligo o telefone, me esforçando para tentar me lembrar de onde conheço aquele rapaz, mas nada me vem à mente.

Enquanto estou pensativa, Sara abre a porta com uma bandeja na mão.

Sara é minha melhor amiga. Nos conhecemos na faculdade em Chicago, quando fui estudar fora do país. Ninguém diz que me formei em administração. Sou nova, acabei de completar 24 anos. Por isso dizem que é sempre bom emendar o ensino médio com a faculdade.

Depois de tanto me candidatar às faculdades na América, a Universidade de Chicago me aceitou. Foi bom para mim, pois um tio por parte de pai morava lá, assim, nem precisei ficar em alojamentos. Essa é parte da minha história. Como consegui tudo isso? Bem, meu tio era dono de uma pequena empresa e não tinha herdeiros. Quando passei a morar com ele em Chicago, o ajudei muito, pois, além de estar cursando administração, sempre fui muito estudiosa e minhas notas sempre foram boas. Já comentei com vocês que eu era chamada de nerd durante o colégio? Acho que sim. Então, meu tio foi diagnosticado com uma doença grave e por já ser de idade, ele contratou uma enfermeira para cuidar dele, além de mim. Essa enfermeira? Sara McCounagh. Ela cuidava dele e eu da empresa. Foi difícil conciliar tudo. Meu tio faleceu e eu herdei toda a sua herança e a pequena empresa passou a ser minha. O que eu fiz? Simplesmente voltei para Roterdã e fiz a empresa crescer. Com a ajuda (em off) de Sara, porque a área dela não tem nada a ver com a minha. Sara agora cursa Medicina Veterinária em uma pequena faculdade em Roterdã e ainda trabalha em um hospital como enfermeira. Para não dizer que não tenho ninguém, tenho a Sara. Não nos vemos desde quando viajei de férias, então, ela soube que eu estava de volta. Apesar de Sara ser uma de minhas melhores amigas, não consigo contar tudo para ela. Meu maior defeito? Ser muito desconfiada. Se tenho algum pior que esse, eu não sei qual é.

- Mulher, que história é essa de você não ter tomado café da manhã hoje? - Ela coloca a bandeja com algumas frutas, café e torradas em cima da minha mesa

Tudo que vai, voltaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora