Accipere quam facere praetat injuriam

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Posso jurar que aquelas horas ali, a ouvir música, a senti-la no mais fundo do meu ser, foram as melhores horas dos meus últimos meses. Apesar de o Marco não me ligar nenhuma, eu sentia-me bem ali, como se ali fosse o meu lugar para sempre. Não importavam as horas, nem as pessoas, nem sequer os acordes mal tocados ou os dedilhados em que as cordas se perdiam a meio. Não importava o que eu pensava ou o que eu queria dizer. Importava o que eu sentia, e sentir a música como a senti naquele momento, poucas serão as horas em que me posso sentir assim. Mas fiquei contente com a banda que ganhou o concurso. Foram os tais rapazes dos ÁTOA e como prémio a editora ofereceu-lhes a oportunidade de lançarem um álbum e um contrato exclusivo. Eles mereciam mesmo ganhar. A letra da música que eles tocaram ficou-me na cabeça todo o concurso e a música era simples, sem nada complicado.

Mas após o concurso a editora ofereceu a todos um lanche, era mais uma ceia, com convívio e com Dj's ao vivo. Um momento para que tanto as bandas e a audiência pudessem descontrair e divertir-se após os concertos. Claro está que assim que o Marco viu que o bar estava aberto, foi realizar o seu maior desejo daquela noite, beber.

Passou-se duas hora e ainda ali estávamos. Eu mal tinha tocado na minha bebida, estava numa das mesas sentada sozinha, a ver o Marco a dançar com todas as raparigas que lhe surgiam à frente sem notar sequer que eu o observava.

"Não eras tu que deveria estar a dançar com ele?"

Aquela voz assustou-me e dei um salto na minha cadeira. Olhei para ele assustada, à minha frente os olhos com os quais me cruzei logo no início da noite e que me fez sorrir todo o concurso.

"Ele nunca dança comigo, já me habituei."

"Ninguém se devia habituar a isso, sabes isso não sabes?"

"É uma relação... bem é complicado"

"E porque é que é complicada?"

Vejo-o a sorrir por ter reparado que tocou num ponto fraco da minha relação com o Marco. Nunca foi bem uma relação, sempre ele teve privilégios em relação a tudo em mim.

"Porque é que fazes tantas perguntas?"

"Porque durante horas de concerto a única vez que ele olhou para ti foi para te pedir uma pastilha e mesmo nesse momento não te agradeceu."

"Estiveste a observar-me?"

"Tu observaste-me no centro comercial. Mas não respondeste à minha pergunta ainda"

"Porque eu lhe devo muito, devo-lhe o facto de ser que sou hoje tudo a ele."

"E és feliz como és hoje?"

É nesse momento em que vejo o Marco a observar-nos. Como não quero arranjar problemas levanto-me e começo a sair o mais depressa que consigo. O rapaz olha surpreso pela minha reacção e levanta-se imediatamente para me seguir. Vejo o Marco a continuar a dançar e entendo que possivelmente me livrei dele por mais umas horas. Venho para a rua e o frio da cidade aconchega-me. Sento-me nas escadas do teatro e sinto um corpo a sentar-me ao meu lado.

"Não queria chatear-te. Desculpa pelas perguntas"

"Tu não me chateaste. É só porque é complicado"

"Porque é que é complicado, não devia ser complicado."

"Tu não entendes. Não sabes nada sobre mim"

"Sei que gostas de bandas dos velhos senhores, que possivelmente ou és uma grande fã ou então já estiveste numa banda."

Olho para ele surpresa e ele sorri-me outra vez.

"Como sabes isso?"

"Porque primeiro, só guitarristas ou baixistas é que usam t-shirts de bandas e como não pareces ser uma fã histérica por ninguém, a segunda opção é muito mais lógica no teu caso."

Omnia fert aetasKde žijí příběhy. Začni objevovat