Capítulo I

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"Nós somos os nossos atos."

Jean-Paul Sartre.


O escritor, cansado da sua meditação sobre o que pretendia fazer, levantou-se da sua poltrona favorita e olhou em volta. Ali era o seu escritório, um santuário digno de qualquer escritor. Além das poltronas muito confortáveis, estantes repletas de livros davam a volta a quase toda a sala. Jantava-se a isso um excelente equipamento de som, que no momento estava desligado, e uma mesa sóbria de madeira maciça onde, sobre ela, um computador repousava, desligado. Ele adorava aquele canto, mas estava longe de ser o seu santuário inspirador. Naquele momento, ele tinha preocupações graves, mas também sentia necessidade de sair um pouco para espairecer e esquecer os seus problemas. Ainda indeciso, abriu a porta e desceu as escadas para o andar de baixo, atravessando a casa até ao quarto.

Na cama, a esposa dormia e via-se com clareza as marcas da doença no seu corpo. Em silêncio, sentou-se ao lado da cama onde já havia uma poltrona simples para isso, e olhou com doçura para aquela com quem vivia há mais de onze anos. Não demorou muito para ela despertar e deparar-se com aquele olhar, dando-lhe um sorriso gentil que ele tanto amava.

– Oi, Denise, como se sente hoje? – perguntou, sentando-se na cama ao seu lado e fazendo um carinho.

A mulher voltou a sorrir e respondeu com a voz um tanto fraca:

– Melhor, Miguel, mas temo que não vá durar muito mais.

– Não diga isso, Denise. A esperança é a última a morrer e...

– Meu anjo, não se iluda. – A esposa interrompe, pousando a mão no braço do marido. – A hora das ilusões passou há muito e você sabe muito bem disso. Afinal até a doutora Rabelo está espantada que eu tenha durado tanto! Você também sabe que não estou com medo de morrer e a morte até seria bem-vinda, face a tanto sofrimento, mas fico muito preocupada com você e Bruna, principalmente com ela que é tão nova.

Miguel aproximou-se mais e pegou a sua mão flácida e pálida, outrora tão bela e bronzeada. Com toda a delicadeza, abaixou-se e beijou-a nos lábios, acrescentando:

– Vamos mudar de assunto? – pediu, gentil. – Eu ainda não consigo aceitar isso, amor.

– Você é um danado de um teimoso, meu amor – respondeu Denise dando uma risada fraca. – Para o seu bem, comece a aceitar. Teimosia tem limites e não há nada que possa fazer.

Miguel Almeida sorriu com os olhos e abanou a cabeça devagar, encolhendo os ombros. O sorriso foi dos olhos para os lábios, mas não duraram muito.

– Eu sei que sou teimoso, amor, mas o que raio posso fazer? É o meu grande defeito, creio eu. Afinal há coisas muito piores do que isso.

– Você anda planejando uma nova obra, não é? – Perguntou ela, sabendo que há coisas pelas quais não vale a pena falar, ainda mais que a sua enfermidade causa muita agonia ao marido.

– Como sabe, lindinha?

– Ora, meu amor, estamos casados há doze anos! Sempre que você fica calado e meditativo, pensa nisso, especialmente quando sai para caminhar sozinho na praia, coisa que não tem feito por minha causa. – Ela sorriu e apertou o seu braço. – Depois, senta-se com o computador no seu quiosque preferido e escreve sem parar, despejando todas as suas ideias antes que elas consigam fugir, como se tal coisa fosse possível. Quantas vezes já foi flagrado pela mídia fazendo isso!? Ajude-me, Miguel, que me quero levantar um pouco porque estou farta desta cama. No que pensa escrever?

– Sempre escrevi obras de ficção científica e comédias românticas, guriazinha, como você bem sabe. – Miguel pegou a esposa ao colo, dando um sorriso meigo. – Pensei em um novo livro, bem diferente. Imaginei escrever uma autobiografia, mas não de forma tradicional e sim como uma obra de fição. Sabe, não são todos que conseguem mudar a própria vida, como fiz. Transformei um passatempo que sempre amei na minha profissão, ainda por cima com tanto sucesso que sou conhecido no mundo todo. E sei muito bem que devo isso a você. Talvez uma obra destas possa dar um certo incentivo a outras pessoas. Afinal, o brasileiro é tão criativo!

O EscritorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora