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Terça-feira. Saí da terapia em grupo e, desta vez, não estou com vontade de fazer nada. Nem mesmo de fazer origamis. Já fiz tantos que a doutora Marcia me arranjou outras caixas para que eu guarde minhas dobraduras. Diferente do que fazia antigamente no meu quarto, que as deixava em prateleiras, agora, todas elas ficam nessas caixas dentro do armário. Este quarto na clínica é provisório, não quero o enfeitar como o meu real e que voltará a ser meu em definitivo daqui algum tempo.

Rafael está trabalhando hoje, portanto, eu estou sozinha e fico o fim da tarde inteira deitada na grama. Sem fazer absolutamente nada e sem conversar com ninguém.

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Abro os olhos com preguiça e o Sol já está baixo. Daqui algumas horas o jantar será servido, e preciso de um banho antes de ir para o refeitório. Levanto devagar batendo as mãos na minha roupa para tirar alguma sujeira que ali tenha ficado, enquanto caminho em direção à porta de vidro.

Assim que entro pelo corredor e viro a esquina, uma voz grossa, alta e conhecida bate nos meus ouvidos. Todos os pelos do meu corpo se levantam, inclusive os da nuca; minha respiração está bloqueada para escutar a voz masculina e, na mesma hora, minha barriga gela. Minhas pernas ficam travadas quando minha visão se fixa no vulto masculino que está no meio do corredor e conversa com a doutora Marcia.

Eu conheço esta voz, eu conheço este corpo vestido e nu, eu conheço todos os seus ternos. Ele está a poucos metros de mim.

O homem que há meses não via, mas que nunca esquecerei o seu rosto; o homem que me aprisionou, que me forçou a fazer coisas que não queria, que me drogou por meses e que me fez estar neste lugar para conseguir minha salvação física e mental está aqui. Marcos está aqui.

Minha boca está seca. Meus braços e meu corpo inteiro começam a tremer.

Ele veio à minha procura, assim como a dona Lucia havia dito dias atrás.

Algumas pessoas passam entre a distância que nos separa e parecem tentar esconder a figura daquele homem à minha frente, mas eu ainda consigo vê-lo, até que alguém para na minha frente e tampa a visão que tenho dele por completo. Olho para cima e encontro os olhos azuis do Rafael.

— Ande para trás, Valentina! Agora! — Ele segura os meus braços e começa a empurrar o meu corpo para trás, para o caminho que havia feito antes.

Quando viramos a esquina, ele segura a minha mão e me puxa. Rafael acelera os passos assim que passamos pela porta de vidro e começamos a correr. Ele segura minha mão com força, e eu corro junto a ele. Corro para longe daquele lugar e o mais distante possível daquele homem.

Ele não pode me achar! Não agora!

Corremos para o fundo do terreno da clínica em direção aos pinheiros e não falamos nada. Não tenho a mínima noção de como Rafael sabe que preciso me afastar da clínica e daquele homem que está no corredor. Tudo bem que ele sabe o nome do Marcos, pois já havia dito nas reuniões em grupo, mas a pessoa em si ele não conhece. Não sei se alguém pediu a ele para me tirar de lá ou será que...

Paro na mesma hora. Minha respiração está acelerada e meus passos travam na grama com o que acabo de raciocinar.

— Vem, Valentina! — Rafael me olha e puxa a minha mão para entrarmos entre os pinheiros, e eu finco meus pés ali. — Não podemos ficar aqui!

— Você o conhece! — Grito. — Você está me levando para ele! — Nossos olhos estão presos e a tensão entre eles é enorme, capaz até de explodir o globo ocular um do outro pela troca de sentimentos que ali existe.

Quando Setembro AcabarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora