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O senhor Ramiro tem o controle do portão nas mãos. Aciona o mesmo, e assim que o carro sai da garagem, faíscas de Sol e sombras de árvores acobertam o carro que ganha o asfalto da avenida beira-mar.

Pisco os olhos várias vezes tentando acostumar-me com a luz do dia. Ônibus e carros trafegam em ritmos diferentes. Um cenário de arranha-céus está à minha esquerda e à minha direita o mar. O brilho do Sol deixa mais forte as cores na praia. Mulheres e crianças saem da água salgada com os corpos salpicados de gotas. Algumas bolas rolam na areia, enquanto raquetes passam pelo ar sem rumo definido. Surfistas em cima das pranchas desbravam as ondas sem medo, e o azul do céu se encontra ao longe com o azul esverdeado da água do mar.

Uma imagem perfeita!

Abro a janela e deixo o vento entrar. A brisa quente e úmida toca o meu rosto da mesma maneira que o barulho dos carros inunda os meus ouvidos. Apesar de não conseguir sentir muito bem os odores, provavelmente devido às lesões no meu septo decorrente da quantidade gritante de pó que aspirei, o cheiro da maresia preenche o meu nariz e com ele vêm algumas lembranças. Imagens aparecem por inteiro nos meus pensamentos, como se fossem projetadas numa tela de TV que somente os meus olhos conseguem enxergar e que trazem recordações maravilhosas.

Lembro-me dos meus amigos que há tempo não vejo e das nossas conversas; dos meus pais com suas torcidas quando, pela primeira vez, coloquei um par de patins nos pés e andei no calçadão. Recordo-me da palavra esperança que havia esquecido. E o melhor agora é buscá-la, não procurá-la.

Movimento a cabeça para afastar os fios de cabelo que batem no meu rosto e, de relance, olho para frente no espelho retrovisor. Sinto meu coração disparar quando os olhos do motorista encontram os meus. Percebo minhas mãos ficarem úmidas no mesmo instante e desvio o olhar para baixo tentando acalmar o nervosismo que drena rapidamente o sangue nas minhas veias. Um olhar lascivo de homem. Poderia ser o olhar de um menino, de um adolescente, de um adulto ou de um velho e em qualquer circunstância, para mim eles serão sempre olhares desejosos e masculinos.

Noto a mão da dona Lucia pegar um pacote de bolachas dentro da sua bolsa e o abre. Ela segura minhas mãos que estão no meu colo, e eu a observo. Seus olhos conseguem adoçar o momento tenso que impregna o carro. Ou será que somente eu sinto esta névoa densa!? Sua expressão é mais cálida do que nunca e em seus lábios surge um sorriso de vitória.

— Você está quase livre, meu bem! — Ela sussurra para que apenas nós duas possamos escutar.

Respiro fundo e aperto seus dedos com os meus.

— Obrigada, dona Lucia!

— Coma. — Ela diz ao me entregar o pacote.

Pego a embalagem de uma só vez e cavo o saco atrás das bolachas que me bastariam por agora.

— Vocês ainda trabalham para o Marcos? — Pergunto começando a comer.

— Não mais. Até ontem sim.

— Ele mandou vocês embora? Como conseguiram entrar no apartamento em que eu estava?

Ela respira fundo e vira o corpo para o meu lado.

— Ele não nos mandou embora. Nós pedimos demissão.

— Explica melhor, dona Lucia! — Exclamo retirando os fios de cabelo novamente do meu rosto que voam sem direção.

— Vou explicar resumidamente o que aconteceu desde o final de semana que não te vimos mais.

Balanço a cabeça enquanto mastigo mais uma bolacha.

— Na segunda-feira, eu e o Ramiro chegamos ao seu apartamento para trabalhar como sempre fizemos. Ramiro ficou na garagem limpando o carro enquanto esperava seu tio Marcos...

Quando Setembro AcabarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora