CAPÍTULO 5

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                                                                         ANTÔNIA


E aquela força da natureza saiu de minha casa como um furacão.

Entrou e saiu da minha casa como um redemoinho que arromba as portas e tira tudo do lugar, sem pena e sem piedade, sem tempo de se proteger, sem pedir licença.

Se minha vida não entrar no eixo de novo, Hafiq vai cumprir com sua promessa, eu serei sua mulher, eu serei dele e isso me assusta demais. Durmo pensando em como conseguirei fugir da proposta de Hafiq, sem quebrar a promessa que fiz a Aziz.

Kaled agora só tem a mim no mundo, a lembrança de tudo que Zie fez por mim permanece viva em minha memória, em meu coração.

Ele me ajudou a resgatar minha autoestima e agora os dias sofridos que eu vivi fazem parte o passado, graças a ele.

Conheci Zie quando eu tinha treze anos, em uma viagem que ele fez com Johnny a Quijingue, cidade próxima a Canudos- BA.

Era festa de Reis, a cidade estava em cheia de visitantes, turistas iam e viam.

E a fome me fazia invisível, eles não me notavam. Eu estava muito magra, sofrida pela fome e dilacerada pelas feridas externas e internas que me marcavam.

Queria fugir daquele inferno todo em que eu vivia, eu dormia há dois dias na praça da cidade, quando Zie surgiu como um anjo, um salvador.

Usava roupas simples, as roupas refletindo o seu interior, muito simples e humano. Ele observou-me por um bom tempo, eu sentadinha no banco da praça, suja, os olhos saltando do rosto, pela cobiça nas mesas dos barzinhos cheias de comida, ele parou do meu lado perguntando-me quantos anos eu tinha e por que eu estava tão magra.

Respondi-lhe com toda a insolência que ainda restava em meu corpo.

-Treze anos, mas por que você quer saber? Tô magra por que tô com fome, ora essa! Muita fome moço, você sabe o que é isso?

Ele se calou com minha resposta, nunca tinha sentido fome, ele não sabia o que era isso. Era um príncipe, um homem de negócios bem sucedido, mas gostava de viver modestamente.

Aziz queria ter uma família, sentia-se sozinho com Johnny, seu companheiro, Marchand competente e parceiro de vida, um inglês educado e solitário como ele.

Johnny tirava fotos das pessoas, da paisagem, mas estava atento a tudo, era o jeitão dele, discreto e reservado.

Zie levantou meu rosto todo sujo de barro e sorriu-me timidamente, devolvi o gesto com o que parecia ser um sorriso, tentando esquecer que meu estômago doía de fome, o riso se embotando pela miséria, eu abaixei a cabeça e fiquei em silêncio.

-Você tem família, menina?

Balancei a cabeça negativamente, eu olhava distraidamente para minhas mãos feridas, descarnadas, puxando os dedos, uma mania que surge sempre quando fico nervosa.

- Gostaria de viver com a gente, eu sou um cara gente boa e Johnny apesar de ser todo caladão, também é legal. Eu preciso de alguém pra cuidar de nós dois.

Apontava para Johnny que nos olhava em uma emoção contida.

-Acha que pode fazer isso?

Respondi que sim.

OS VÉUS DE ANTÔNIAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora